CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS, DE LOTES OU EM MULTIPROPRIEDADE IRREGULARES: USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL, PROTEÇÃO POSSESSÓRIA E OUTRAS REPERCUSSÕES PRÁTICAS

CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS, DE LOTES OU EM MULTIPROPRIEDADE IRREGULARES: USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL, PROTEÇÃO POSSESSÓRIA E OUTRAS REPERCUSSÕES PRÁTICAS

Carlos E. Elias de Oliveira

Professor de Direito Civil, Notarial e de Registros Públicos na Universidade de Brasília – UnB –, no IDP/DF, na Fundação Escola Superior do MPDFT – FESMPDFT, no EBD-SP, na Atame do DF e de GO e em outras instituições.

Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil (único aprovado no concurso de 2012).

Advogado/Parecerista.

Ex-Advogado da União.

Ex-assessor de ministro STJ.

Doutorando, mestre e bacharel em Direito pela UnB (1º lugar no vestibular de 1º/2002).

Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro

E-mail: carloseliasdeoliveira@yahoo.com.br.

EMENTA

1. Trata-se de artigo destinado a discutir o cabimento do usucapião extrajudicial e de outros desdobramentos práticos nos casos de ocupantes de espaços privativos em condomínio edilício irregular ou em outras espécies de condomínios irregulares.

2. Defende-se que é cabível o usucapião extrajudicial e a proteção possessória no caso de composse edilícia, de composse loteada e de composse multiprorietária envolvendo situações de condomínios edilícios, de lotes ou multiproprietários irregulares.

1.      Introdução

É ou não cabível o usucapião extrajudicial em favor do ocupante de um apartamento integrante de um “condomínio edilício de fato”? E como fica a proteção possessória do ocupante perante terceiros? E se estivermos diante de um condomínio de lotes ou de um condomínio multiproprietário irregular?

Trataremos do tema neste artigo.

2.      “Condomínio edilício de fato”

Por condomínio de fato, entende-se a situação de um terreno que, sem os devidos registros no Cartório de Imóveis, contém uma edificação composta por apartamentos que, de fato, são ocupados por pessoas que se comportam como se fossem condôminas.

Esse tipo de estrutura é usual no Brasil.

Há duas situações principais em que isso ocorre.

A primeira é quando o proprietário do terreno não conseguiu o “habite-se” para averbar a construção diante da falta de respeito às normas urbanísticas locais.

Nessas hipóteses, o proprietário do terreno costuma celebrar promessas de compra e venda ou cessões de direito de posse relativamente às unidades autônomas do futuro condomínio edilício que, um dia, espera-se vir a ser regularizado (mediante a averbação da construção seguida do ato de instituição de condomínio).

É possível também que o proprietário do terreno celebre uma escritura pública de venda da fração ideal do terreno correspondente à unidade autônoma do futuro condomínio edilício. Trata-se, porém, de hipótese menos usual.

Entendemos que, caso o tabelião identifique que a alienação de frações ideais está sendo realizada como forma alternativa diante da falta da prévia averbação da construção e da prévia instituição de um condomínio edilício, deve o  tabelião  alertar as partes sobre essa situação de irregularidade e consignar expressamente tal situação na escritura. De qualquer forma, não há obstáculo jurídico algum à lavratura da escritura: alienação de fração ideal do terreno é lícita.

Questão sensível é saber o seguinte: se tal escritura contiver expressa menção à existência de uma edificação ou de um condomínio edilício, o Cartório de Registro de Imóveis poderá ou não promover o registro?

Entendemos que sim, desde que haja requerimento expresso das partes nesse sentido. Nessa hipótese, a notícia, na escritura, da irregularidade da construção ou do condomínio edilício de fato será apartada do negócio jurídico relativo à alienação da fração ideal, tudo por conta do requerimento expresso das partes. Aliás, esse requerimento pode ser dispensado se, na própria escritura, houver expressa declaração das partes no sentido de quererem o registro da alienação da fração ideal a despeito da ciência da irregularidade da construção e do condomínio edilício. Trata-se de uma aplicação do princípio da cindibilidade do título. Entendemos que não há violação ao princípio da especialidade objetiva nesse caso, pois, por requerimento expresso das partes, a questão relativa à edificação ou a instituição do condomínio foi destacada para futuro tratamento registral.

Se escritura não fizer referência à edificação ou à existência de um condomínio edilício, evidentemente caberá o registro no cartório de Imóveis. Não há necessidade de prévio requerimento de cindibilidade do título.

Nesses condomínios de fato, é questão de algum tempo para a situação de irregularidade agravar-se. Os ocupantes acabarão por ceder seus direitos a terceiros por meio de contratos de cessões de direito de posse, o que alavancará os potenciais riscos de conflitos futuros pela titularidade dos direitos de posse sobre a unidade autônoma.

3. A composse edilícia: desdobramentos práticos

3.1. Introdução

A questão central para lidar com os problemas causados pelo condomínio de fato é identificar qual é a natureza jurídica dos direitos dos ocupantes das unidades autônomas.

As titularidades de direito podem ser encaixadas em uma das seguintes categorias:

a) direitos pessoais;

b) direitos reais;

c) posse;

d) detenção;

e) direitos da personalidade;

f) propriedade imaterial.

O ocupante de um apartamento em um condomínio edilício de fato tem um direito com expressão econômico. Isso é bem. Não como negar. A questão é definir a natureza jurídica desse bem.

Entendemos que aí há uma posse, mais especificamente o que chamamos de “composse edilícia”.

3.2. Composse pro diviso e pro indiviso:definição, a proteção possessória, o usucapião e a via extrajudicial do usucapião

Antes de explicamos a composse edilícia, convém esmiuçarmos o conceito de composse e discutirmos a viabilidade de usucapião nessas hipóteses.

Composse, posse comum ou compossessão é a posse exercida por duas ou mais pessoas sobre o mesmo bem indiviso ou em estado de indivisão. Distingue-se da posse singular, que é a aquela exercida apenas por uma pessoa. São, pois, requisitos da composse: (i) pluralidade de sujeitos e (ii) coisa indivisa ou em estado de indivisão. Em uma comparação, a propriedade está para o condomínio, assim como a posse está para a composse.

Na composse, cada possuidor pode exercer atos de posse, desde que não exclua os outros compossuidores (art. 1.199, CC). Daí decorre que é possível manejo de interdito possessório por um compossuidor contra o outro.

À semelhança do que sucede com o condomínio, a doutrina costuma dividir a composse em: (a) pro diviso, quando a área ocupada por cada compossuidor é definida, e (b) pro indiviso, quando cada compossuidor exerce atos de posse sobre a coisa toda.

Na realidade, composse pro diviso não é composse, e sim uma pluralidade de posses singulares em áreas contíguas. De fato, só há composse na comunhão pro indiviso. Não sucede o mesmo em relação ao condomínio, que pode ser pro diviso, pois, nesse caso, haverá um único direito de propriedade em comunhão (há comunhão de direito) com várias posses exclusivas (não há comunhão de fato). Em notável obra, James Eduardo Oliveira[1] brande esses argumentos com apoio em Moreira Alves.

Em consequência de a composse pro diviso não ser uma verdadeira composse, e sim uma contiguidade de várias posses singulares, não é cabível que um compossuidor sirva-se de meios de proteção possessórias relativas à área do seu vizinho, pois cada um possui posse exclusiva.

Igualmente, na dita composse pro diviso, cada um poderá pleitear o usucapião para a sua respectiva área. A propósito, se um dos compossuidores está de má-fé, essa característica da sua posse não contaminará os demais compossuidores que estão de boa-fé, o que poderá acarretar prazos de usucapião diversos para cada um dos compossuidores.

Já na composse pro indiviso, perante terceiros, cada compossuidor é considerado um possuidor único e exclusivo do bem, razão por que tem legitimidade para, sozinho, valer-se de ações possessórias para protege a composse. Aplica-se, por analogia, o art. 1.314 do CC.

Outrossim, na composse pro indiviso, os compossuidores podem usucapir a coisa inteira em conjunto, de modo que cada um ficará com uma fração ideal do bem usucapido. O usucapião gerará um condomínio tradicional.

Entendemos que não há, porém, obrigatoriedade de litisconsórcio. Nada impede que um compossuidor pleiteie o usucapião sozinho, mas, nesse caso, só terá direito de pleitear a aquisição de uma fração ideal do imóvel proporcionalmente à sua participação na composse.

Em princípio, não vemos obstáculo a que um compossuidor tenha posse de má-fé e outro tem posse de boa-fé, na medida em que se trata de condição subjetiva (art. 1.201, CC). Daí decorre que, em princípio, o prazo de usucapião para cada um dos compossuidores pode ser diferente, de maneira que poderá acontecer de apenas um dos compossuidores obter êxito na ação de usucapião para adquirir uma fração ideal do imóvel proporcionalmente à sua participação na composse.

Ilustrando, imagine que três pessoas compram um imóvel de um grileiro para que cada um fique como uma fração ideal de 1/3 do imóvel. Apenas um dos compradores sabia da fraude, mas resolveu arriscar. Logo, dois compradores têm posse de boa-fé, e outro, de má-fé. Suponha que os compradores exerceram posse sobre a coisa ao longo de 10 anos sem se enquadrar nas hipóteses de posse-moradia e posse-trabalho até que o legítimo proprietário propôs ação reivindicatória. Nesse caso, o possuidor de má-fé não poderá alegar usucapião (para ele, seria necessário o prazo de 15 anos do usucapião extraordinário – art. 1.238, CC), ao contrário dos demais, que terão direito ao usucapião ordinário (art. 1.242, CC). Assim, 2/3 do imóvel pertencerão, pro rata, aos dois adquirentes de boa-fé, ao passo que 1/3 do imóvel será de propriedade do reivindicante diante da impossibilidade de o possuidor de má-fé ter-se valido do usucapião.

Ademais, na composse pro indiviso, um compossuidor só poderá usucapir a coisa toda sozinho se cometer esbulho. De fato, se um dos compossuidores passar a exercer, com exclusividade, posse ad usucapionem sobre todo o bem, já não há mais composse, e sim posse singular, que, atendidos os demais requisitos, gera usucapião.

Cabe uma última pergunta: o usucapião, nas hipóteses acima, poderia ocorrer na via extrajudicial com fundamento no art. 216-A da Lei de Registros Públicos e no Provimento nº 65/2017-CN/CNJ?

Não enxergamos obstáculo algum ao emprego da via extrajudicial do usucapião, contanto que todos os demais requisitos legais estejam presentes, como o consentimento (ainda que tácito) do proprietário tabular. Entendemos, porém, que haverá necessidade de consentimento dos demais compossuidores acerca da fração ideal correspondente ao usucapiente. O motivo disso é que o usucapião extrajudicial pressupõe um ambiente de concórdia entre o usucapiente e os demais atores que guardem diretamente potencial conflito de interesse com ele, como os demais compossuidores.

3.2. Composse edilícia: proteção possessória, usucapião e a via extrajudicial do usucapião

Posse é a aparência da titularidade de um direito real.

Sob essa ótica, ao tratar de composse, a doutrina limita-se a falar em composse pro diviso e pro indiviso, o que acaba refletindo apenas a composse como uma aparência de titularidade de fração ideal de um condomínio tradicional. Essas categorias não são adequadas para lidar com a situação de possuidores que aparentam ser titulares de unidades autônomas de condomínio edilício.

Por isso, entendemos ser possível falar em uma outra categoria de classificação: a composse edilícia. Nesse caso, os compossuidores aparentam estar em um regime de condomínio edilício. Cuida-se de situação recorrente no quotidiano com prédios construídos em áreas irregulares sem a devida instituição de condomínio edilício. Nesses prédios, os apartamentos são ocupados por diferentes pessoas, as quais compartilham o uso do hall de entrada, dos corredores, das piscinas e de outras áreas de uso comum. Trata-se do que chamamos de composse edilícia, em que, dentro de uma construção, cada compossuidor tem posse singular e exclusiva sobre espaços privativos e tem composse pro indiviso sobre espaços comuns.

Nesse caso, em relação à área privativa, só o respectivo compossuidor tem legitimidade para valer-se de ações possessórias, pois aí se aplica o regime de posse singular. Para as áreas comuns, qualquer compossuidor tem legitimidade para, sozinho, proteger a coisa, em razão da aplicação do regime da composse pro indiviso, que atrai, por analogia, o art. 1.314 do CC.

Quanto ao usucapião, cada compossuidor sozinho pode valer-se do usucapião para pleitear a aquisição apenas de uma fração ideal da propriedade do bem na proporção de sua participação na composse edilícia. Se todos os compossuidores obtiverem o usucapião, eles se tornarão proprietários de todo o imóvel com fração ideal correspondente à participação deles na composse edilícia. O usucapião, porém, não formará um condomínio edilício, pois este depende de um prévio ato formal de instituição. O usucapião gerará um condomínio tradicional, em que cada usucapiente terá uma fração ideal. A construção ainda está na informalidade. Caberá aos usucapientes, por ato próprio, averbar a construção e, em seguida, promoverem a instituição do condomínio edilício.

A questão central é a seguinte: é cabível a via extrajudicial do usucapião pelo compossuidor edilício no caso de irregularidade do condomínio edilício?

Entendemos que sim, desde observados os pertinentes requisitos legais. O art. 7º do Provimento nº 65/2017-CN/CNJ prevê a necessidade de concordância de todos os titulares tabulares (os titulares de direitos inscritos na matrícula do imóvel).

Não há necessidade de consentimento dos demais compossuidores edilícios, salvo se estes forem titulares de direitos inscritos na matrícula do imóvel. Exigir o consentimento deles seria inviável na prática, pois sequer se pode ter certeza acerca de quem é o compossuidor.

Todavia, como há necessidade de a fração ideal do terreno que será usucapida estar atrelada proporcionalmente à área privativa ocupada pelo usucapiente, essa informação precisa ser comprovada mediante um memorial descritivo subscrito por um engenheiro indicando as frações ideais devidas a todas demais áreas privativas. A ata notarial exigida no procedimento de usucapião extrajudicial deverá especificar esse fato.

O usucapião – reitere-se – será apenas da fração ideal do terreno. Não se poderá instituir um condomínio edilício nem se abrir uma matrícula autônoma relativamente ao espaço privativo ocupado pelo usucapiente na edificação. Afinal de contas, além de a regularidade da construção depender de uma prévia averbação (precedida de um “habite-se” atestando a conformidade da construção com as normas urbanísticas), a instituição do condomínio edilício é ato que remodela juridicamente a propriedade e que cria um sujeito de direito novo (que receberá um CNPJ próprio): o condomínio edilício. Esse ato não pode ser substituído por um usucapião dos compossuidores condominiais, porque envolve repercussões que vão além dos interesses do usucapiente e porque depende da prática de atos previstos em lei.

3.3. Composse edilícia e deveres próprios de “condomínio edilício”: inaplicabilidade no caso de irregularidade

Embora a composse edilícia aparente uma situação jurídico-formal de condomínio edilício, trata-se de mera aparência. Daí decorre que os deveres legais previstos para o condomínio edilício não podem ser estendidos aos compossuidores edilícios se estes expressamente não houverem formalmente aceitado pela via legalmente disponível: a instituição de um condomínio edilício. Trata-se de decorrência do princípio da legalidade: ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude de lei.

Daí decorre que não há obrigatoriedade de nenhum dos compossuidores edilícios pagar contribuições para concorrer com as despesas das áreas comuns.

Nem mesmo o argumento da vedação ao enriquecimento sem causa seria aplicável, pois não há dever legal de contribuição com as despesas das áreas comuns. Aliás, quem seria o credor dessa suposta contribuição? É que inexiste um ente despersonalizado chamado condomínio edilício aí, pois se trata apenas de uma composse edilícia. E eventual associação de moradores não pode exigir contribuição de quem não é associado. Aliás, em tese, cada grupo de moradores poderia instituir uma associação de moradores diversa, a aumentar o ambiente de confusão. O compossuidor edilício, portanto, só contribuirá com as despesas comuns se tiver voluntariamente se obrigado por contrato ou por meio de sua filiação à associação dos moradores. Aplica-se, por analogia, aí o entendimento do STJ firmado para os loteamentos irregulares no seguinte sentido: “As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram” (STJ, REsp 1280871/SP, 2ª Seção, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,  Rel. p/ Acórdão Ministro Marco Buzzi, DJe 22/05/2015).

Cabe uma última observação aqui: o conceito de composse edilícia tem utilidade prática para lidar com os casos de condomínios edilícios irregulares. Entretanto, mesmo no caso de condomínio edilício regular, é possível afirmar que os ocupantes das unidades autônomas exercem uma composse edilícia, ainda que também sejam titulares do direito real de propriedade. Entretanto, essa composse edilícia envolve, na verdade, uma posse singular sobre a unidade autônoma e uma composse sobre as frações ideais sobre o terreno e as áreas comuns. Não enxergamos, porém, utilidade prática em se valer do conceito de composse edilícia nesses casos. É mais fácil ao jurista observar esse fenômeno simplesmente como uma posse singular sobre a unidade autônoma, porque os desdobramentos práticos disso – como a proteção possessória e o usucapião – sempre estarão focados apenas na unidade autônoma.

4.      Composse loteada

Como o nosso ordenamento passou a admitir a figura do condomínio de lotes (art. 1.358-A, CC), é preciso também ter uma figura para retratar aqueles que aparentam ser titulares de lotes em regime de condomínio de lotes nas hipóteses de irregularidades.

Chamamos essa hipótese de composse loteada, na qual cada compossuidor tem posse singular sobre o espaço do seu lote e tem composse pro indiviso sobre o terreno comum (ruas, praças etc.). Aplica-se a esse caso tudo quanto foi escrito para a composse edilícia diante da similaridade dos institutos.

5.      Composse Multiproprietária

Como o nosso ordenamento passou a admitir a figura do condomínio em multipropriedade (arts. 1.358-B ao 1.358-U do CC), é necessário haver uma categoria de composse para retratar a aparência de titularidade de uma unidade periódica em condomínio multiproprietário.

Chamamos tal hipótese de composse multiproprietária, assim entendida aquela em que cada compossuidor tem posse singular sobre a unidade periódica e tem composse pro indiviso sobre o imóvel-base e o mobiliário.

Nesse caso, por falta de previsão legal, não há como obrigar nenhum compossuidor multiproprietário a pagar contribuições aos demais compossuidores nem a eventual associação de moradores, salvo se ele houver se obrigado voluntariamente em contrato ou em ato de filiação à eventual associação de moradores. Aplica-se, por analogia, o entendimento do STJ sobre a as associações de moradores de loteamentos irregulares (STJ, REsp 1280871/SP, 2ª Seção, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,  Rel. p/ Acórdão Ministro Marco Buzzi, DJe 22/05/2015).

Quanto à proteção da posse sobre a unidade periódica, cada compossuidor pode, sozinho, valer-se de ações possessórias para proteger o tempo de seu uso, pois tem posse singular sobre essa unidade periódica.

No tocante ao imóvel-base em si e ao mobiliário, há legitimação concorrente entre os compossuidores multiproprietários para os proteger de terceiros, pois cada compossuidor tem composse pro indiviso sobre esses bens.

O usucapião é cabível, mas é preciso identificar se há ou não um condomínio em multipropriedade já instituído.

Se não houver, o usucapião não implicará automaticamente a instituição de um condomínio multiproprietário, mas apenas outorgará ao usucapiente a propriedade de uma fração ideal do imóvel proporcionalmente à sua participação na composse multiproprietária. É que a instituição de um condomínio multiproprietário depende de um ato formal de instituição, o que não é suprido com o mero usucapiente. O usucapião pelos compossuidores multiproprietários nesses casos gera um condomínio tradicional, de modo que os usucapientes poderão, se quiser, praticar posteriormente os atos formais destinados à instituição de um condomínio multiproprietário.

Se, porém, já houver um condomínio multiproprietário formalmente instituído, o compossuidor multiproprietário adquirirá, por usucapião, a própria unidade periódica, que já possui matrícula própria.

O usucapião poderá ser extrajudicial também, tudo nos termos do que já expusemos em relação ao usucapião extrajudicial nos casos de condomínio edilícios irregulares. O usucapião não implicará instituição de um condomínio multiproprietário, mas apenas a aquisição de uma fração ideal do imóvel-base. Há necessidade de comprovação da fração ideal devida ao usucapiente sobre o imóvel-base, o que deverá ser consignado na ata notarial.

6.      Conclusão

A composse não se restringe aos casos de aparência de um condomínio tradicional.

Ela também alcança a aparência das outras espécies de condomínios admitidas no ordenamento jurídico, caso em que receberá o nome de composse edilícia (aparência de condomínio edilício), composse loteada (aparência de condomínio de lotes) e composse multiproprietária (aparência de condomínio multiproprietário).

A utilidade prática dessas categorias para essas demais espécies de condomínio edilício volta-se aos casos de irregularidade do respectivo condomínio, tudo para permitir discutir como ficam a proteção possessória e o usucapião.


[1] OLIVEIRA, James Eduardo. Posse e interditos possessórios. Brasília: Alumnus, 2013.

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