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Carlos Eduardo Elias de Oliveira
Professor de Direito Civil, Notarial e de Registros Públicos (Universidade de Brasília – UnB –, na Fundação Escola Superior do MPDFT – FESMPDFT e em outras instituições em SP, GO, SE e DF)
Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil (único aprovado no concurso de 2012).
Advogado/Parecerista.
Ex-Advogado da União (AGU).
Ex-assessor de ministro STJ. Doutorando, mestre e bacharel em Direito pela UnB (1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB).
Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro
E-mail: carloseliasdeoliveira@yahoo.com.br
1. Introdução
Este artigo objetiva tratar das principais características das espécies de abordagens metodológicas do Direito Civil com indicação da posição adotada por quase 200 civilistas.
Consultamos pessoalmente a maior parte desses civilistas aqui citados, de maneira que a vinculação deles a alguma das correntes retrata sua postura atual, a qual não necessariamente condiz com seus escritos antigos. Outros civilistas que já possuem posição notoriamente conhecida dispensaram consultas pessoais[1]. Deixamos, desde logo, nossas escusas, por eventual omissão na citação de civilistas, mas há limitações operacionais que impediram a sondagem de mais civilistas. Esperamos remediar eventuais omissões em futuras publicações.
Desde logo, deixamos cinco advertências.
Em primeiro lugar, o presente artigo não possui pretensões messiânicas: não se pretende seduzir o leitor a nenhuma das correntes. Por isso, adota-se aqui uma postura eminentemente descritiva.
Em segundo lugar, é equivocado fazer associações das correntes aqui expostas a uma posição “conservadora” ou “de vanguarda”. A classificação em pauta não trata desse tipo de postura ideológica (e aqui se emprega o termo “ideológica” em uma alusão às concepções de Direito dos diferentes juristas). Em todas as correntes (Constitucionalização ou Recivilização), é possível haver juristas de diferentes posturas ideológicas. A única diferença é que essas diferentes posturas ideológicas adotarão metodologias diversas. Quanto às ideologias (= quanto à concepção de Direito), até se poderia levantar outra classificação, listando posturas como pós-positivismos, neoconstitucionalismo etc. Abstemo-nos, porém, disso por escapar ao escopo do artigo.
Em terceiro lugar, é indevido valer-se de generalizações ou de “falácias do espantalho” para, em simplificada retórica, afirmar que os civilistas sectários de uma ou outra corrente desdenham da Constituição Federal, patrocinam o ativismo judicial, desconsideram a dignidade da pessoa humana, sobrevalorizam o patrimonialismo, desprezam o texto legal, incitam o conservadorismo ou a anomia etc. Aliás, para refutar essas generalizações, basta a lembrança de um fato: a grandeza intelectual e científica dos civilistas que compõem as diferentes correntes. Não precisamos, porém, desse argumento ad hominem. Basta atentarmos para o fato de que, em todas as correntes, há diferentes temperamentos dos civilistas em matéria de argumentação jurídica diante do manuseio das leis, das cláusulas gerais e dos princípios. Uns exibem um perfil mais “tolerante”; outros, um matiz mais “literal”; outros, uma feição mais intermediária ou sui generis. A classificação ora tratada centra-se apenas na metodologia adotada pelo civilista (classificação quanto à abertura epistemológica do Direito Civil), e não na corrente ideológica ou de argumentação jurídica adotada. A rigor, em tese, poderíamos ter “ativistas” e “conservadores” em qualquer das correntes metodológicas, mas temos de concordar que o ônus argumentativo para esse “ativista” ou esse “conservador” terá intensidade diferente a depender da metodologia adotada.
Em quarto lugar, não objetivamos aqui explicar detalhadamente todas as correntes, mas apenas dar um panorama dos alinhamentos metodológicos dos civilistas brasileiros contemporâneos, como que a permitir que o leitor consulte um mapa com menor escala cartográfica e, assim, tenha uma vista da belíssima cidade do Direito Civil. Caberá ao leitor interessado por detalhamentos aumentar a escala cartográfica (“dar um zoom” no mapa) por meio da leitura das obras produzidas pelos vários civilistas aqui citados. Nesse aumento da escala cartográfica, o leitor identificará que, dentro das correntes aqui citadas, há variações entre os juristas.
Em quinto lugar, obviamente o fato de, neste artigo, haver mais nomes vinculados a uma corrente do que a outra não significa que uma seja majoritária ou não. É que, infelizmente, muitos civilistas não foram aqui citados pelas dificuldades próprias de um levantamento desse nível.
2. Classificação quanto à abertura epistemológica
Para fins de simplificação, numa classificação quanto à abertura epistemológica do Direito Civil, há quatro grupos de abordagens atualmente adotadas: (1) o da “Constitucionalização do Direito Civil”; (2) o da “Recivilização Constitucional do Direito Civil”; e (3) o da linha intermediária ou indefinida.
Até se poderia pensar em uma quarta corrente que negasse, em qualquer hipótese, qualquer abertura do Direito Civil e, portanto, rejeitasse irrestritamente a aplicação de qualquer norma constitucional em relações privadas (mesmo para as normas constitucionais que positivaram normas de direito civil). Teríamos aí uma corrente de “Direito Civil Puro”, mas, por não enxergamos autores que se encaixe aí, deixamos de listá-la.
É claro que, num esforço de classificação, poder-se-ia desmembrar essas três correntes em outras várias, mas essa pulverização poderia comprometer o objetivo didático de oferecer uma visão panorâmica das principais linhas de abordagens epistemológicas do Direito Civil atual.
A classificação acima contém, portanto, uma simplificação, como sói ocorrer com qualquer iniciativa taxonômica. O leitor, ao aumentar a escala cartográfica de sua análise dos escritos dos civilistas (“dar o zoom no mapa”), obviamente enxergará diferenças de abordagens. A classificação ora exposta, todavia, é útil para, sob uma escala cartográfica menor (“sem zoom no mapa”), dar uma visão panorâmica das posturas predominantes.
3. Linha intermediária/indefinida
Indicamos, na classificação acima, uma linha intermediária ou indefinida como uma terceira corrente. É que muitos civilistas apresentam características de ambas as correntes, oscilando no emprego das duas formas de abordagem, caso em que se poderia pensar em enquadrá-los em uma corrente mista. Há outros que seguem uma linha metodológica diferenciada que, ao menos por ora, dificulta promover um encaixe em qualquer das duas correntes dominantes. Deixamos, porém, de batizar essa terceira corrente (uma corrente mista ou alguma sui generis) por não enxergarmos, com clareza os seus pressupostos. Talvez, por estarmos vivendo esse momento histórico no Direito Civil, só o futuro poderá dar maior clareza sobre se estamos aí diante de uma terceira corrente ou, na verdade, de uma variação da Constitucionalização ou da Recivilização: a historiografia exige cautela do “historiador do presente”.
Seja como for, para fins de classificação, enquadram-se nessa linha intermediária os seguintes civilistas[2]:
LINHA INTERMEDIÁRIA OU INDEFINIDA ENTRE AS DUAS CORRENTES(civilistas com características de ambas as correntes ou com posturas metodológicas próprias que não se encaixam nas correntes)
1. Ana Frazão 2. Anelize Pantaleão Puccini Caminha 2. André Luiz Arnt Ramos 3. Bruno Miragem 4. Cesar Peghini 5. Cláudia Lima Marques 6. Cristiano Chaves de Farias 7. Eroulths Cortiano Jr. 8. Fabiano Hartmann Peixoto 9. Fábio Jun Capucho 10. Flávio Tartuce 11. Frederico H. Viegas de Lima | 12. Marcel Edvar Simões 13. Maria Helena Diniz 14. Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi 15. Mário Luiz Delgado 16. Mateus de Moura Ferreira 17. Nelson Nery Jr. 18. Nestor Duarte 19. Pablo Stolze Gagliano 20. Rodrigo Mazzei 21. Rodrigo Toscano Brito 22. Rosa Maria de Andrade Nery | |
4. Constitucionalização do Direito Civil
Todas as instituições de Direito Civil devem ser lidas à luz dos princípios e das regras constitucionais, conforme metodologia doutrinária conhecida como Constitucionalização do Direito Civil ou como “Direito Civil Constitucional”.
Essa metodologia (ou movimento) encontra berço no pensamento do jurista italiano Pietro Perlingieri e se insurge contra os fundamentos antigos do direito civil clássico para, nas palavras do professor da UERJ Carlos Nelson Konder, defender um direito civil capaz de ser um verdadeiro instrumento de “emancipação das pessoas e de transformação social, rumo a uma comunidade mais justa e solidária”.
No Brasil – como bem resume o Professor Flávio Tartuce[3] -, “essa visão ganhou força na escola carioca, capitaneada pelos professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin de Moraes e Heloísa Helena Barboza. No Paraná, Luiz Edson Fachin também faz escola com o ensino do Direito Civil Constitucional, na Universidade Federal do Paraná. No Nordeste, é de se mencionar o trabalho de Paulo Luiz Netto Lôbo, também adepto dessa visão de sistema. Em São Paulo, destacam-se os trabalhos de Renan Lotufo, na PUCSP, e da professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Titular na USP. Em Brasília, na UNB, o professor Frederico Viegas de Lima igualmente se dedica aos estudos das interações entre o Direito Civil e a Constituição Federal de 1988”.
Por essa metodologia, condena-se a visão individualista em que se assentava o Código Civil de 1916. Miguel Reale costumava afirmar que havia duas leis fundamentais no País: o Código Civil, que era a “constituição do homem comum”, e a Constituição Federal, que estrutura o Estado. Essa concepção não retrata, porém, a perspectiva constitucional do Direito Civil, que fixa a Constituição Federal como a única lei fundamental, à qual deve estar subordinado todo o direito civil.
A propósito, conforme destaca o professor Paulo Lôbo, a Constitucionalização do Direito Civil implica colocar o indivíduo, e não o patrimônio, no centro da tutela jurídica e a não mais enxergar o indivíduo como um mero homos economicus, perspectiva essa que é conhecida como Repersonalização e Despatrimonialização do Direito Civil. Enaltece-se, assim, a dignidade da pessoa humana como vetor de condução do Direito Civil.
Em suma, pode-se atribuir ao movimento da constitucionalização do Direito Civil as principais diretrizes: (1) despatrimonialização: o centro da tutela jurídica é a dignidade da pessoa humana, e não o patrimônio; (2) repersonalização: a pessoa não é mais vista como um mero agente econômico, e sim como o centro da tutela do direito; (3) eficácia horizontal dos direitos fundamentais: os direitos fundamentais, que tradicionalmente eram aplicados apenas nas relações entre Estado e indivíduo (vertical), devem também ser aplicados a relações entre particulares (horizontal), a exemplo do princípio do contraditório antes de excluir associado por justa causa (art. 57, CC) ou de infligir uma sanção a condômino (art. 1.337, CC).
Uma outra consequência é a de que o Direito Civil Constitucional prestigia normas com cláusulas abertas e conceitos jurídicos indeterminados, os quais dão liberdade ao civilista para acoplar os casos concretos aos princípios constitucionais.
Os contornos do Direito Civil Constitucional foram bem resumidos no documento conhecido como “Carta de Curitiba”, no qual os Grupos de Pesquisa de Direito Civil dos Programas de Pós-Graduação das Faculdades de Direito da Universidade Federal do Paraná e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro editaram seis proposições que, em suma, realçam a aplicação dos direitos fundamentais entre particulares, a rejeição do método de subsunção, a supremacia do paradigma principiológico, a mudança do ensino jurídico e a sobrevalorização da dignidade da pessoa humana (Fachin e Tepedino, 2006).
A abordagem civil-constitucional possui diferentes perfis, a depender do autor envolvido, mas o que importa aqui é realçar que a marca desse movimento é admitir, com mais facilidade, a eficácia direta dos direitos fundamentais em relações privadas, tudo sob a ideia de que o sistema do Direito Civil está imerso dentro da Constituição Federal.
Podemos enquadrar nessa linha os seguintes civilistas:
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
1. Alberto Malta 2. Alexandre Barbosa da Silva 3. Aline Terra 4. Alexandre Guerra 5. André Franco Ribeiro Dantas 6. Ana Carla Harmatiuk Matos 7. Ana Carolina Brochado Teixeira 8. Ana Luiza Maia Nevares 9. Ana Rita de Figueiredo Nery 10. Anderson Schreiber 11. Arnoldo Camanho de Assis 12. Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho 13. Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk 14. Carlos Nelson Konder 15. Carla de Morais Coutinho 16. Caroline Vaz 17. Célia Arruda de Castro 18. Cristiana Sanchez Gomes Ferreira 19. Cristiano Sobral Pinto 20. Conrado Paulino da Rosa 21. Daniel Bucar 22. Daniel Carnacchioni 23. Daniela Courtes Lutzky 24. Daniele Chaves Teixeira 25. Danielle Portugal de Biazi 26. Débora Vanessa Caús Brandão 27. Diaulas Costa Ribeiro 28. Dimitre B. Soares de Carvalho 29. Eduardo Luiz Busatta 30. Eduardo Nunes de Souza 31. Érica Canuto 32. Everilda Brandão Guilhermino 33. Fabiana Rodrigues Barletta 34. Fábio de Oliveira Azevedo 35. Felipe Braga Netto 36. Fernanda Barretto 37. Fernanda Paes Leme Peyneau Rito 38. Francisco de Assis Wagner Viégas 39. Gabriel Honorato 40. Gisela Sampaio da Cruz Costa Guedes 41. Giselda Fernandes Novaes Hironaka 42. Guilherme Calmon Nogueira da Gama 43. Gustavo Tepedino 44. Gustavo Henrique Baptista Andrade | 45. Heloísa Helena Barboza 46. Ivana Pedreira Coelho 47. João Pedro Leite Barros 48. Joyceane Bezerra de Menezes 49. Karina Barbosa Franco 50. Karin Regina Rick Rosa 51. Luciano de Medeiros Alves 52. Luciano Figueiredo 53. Ministro Luiz Edson Fachin 54. Manuela Gatto 55. Marcelo Leonardo de Melo Simplício 56. Marcelo Calixto 57. Marcelo Truzzi Otero 58. Marco Aurélio Bezerra de Melo 59. Marcos Catalan 60. Marcos Ehrhardt Júnior 61. Maria Berenice Dias 62. Maria Celina Bodin de Moraes 63. Maria Stella Gregori 64. Marília de Ávila e Silva Sampaio 65. Michael César Silva 66. Milena Donato Oliva 67. Ministro Moura Ribeiro 68. Pablo Malheiros da Cunha Frota 69. Pablo W. Renteria 70. Patrícia Rocha 71. Patrícia Rodrigues Pereira Ferreira 72. Paula Greco Bandeira 73. Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira 74. Paulo Lôbo 75. Paulo Nalin 76. Rafaella Nogarolli 77. Raphaela Batista 78. Renata Malta Vilas-Bôas 79. Renan Lotufo 80. Sérgio Savi 81. Ricardo Lucas Calderón 82. Roberto Figueiredo 83. Rodrigo da Cunha Pereira 84. Rodrigo da Guia 85. Rodolfo Pamplona Filho 86. Romualdo Baptista Dos Santos 87. Rose Melo Vencelau Meireles 88. Salomão Resedá 89. Silvia Vassilieff 90. Simone Tassinari Cardoso 91. Thiago Neves 92. Wladimir Alcibíades M. Falcão Cunha |
Entre os diversos civilistas que seguem essa corrente, é possível identificar debates sobre os limites na utilização de princípios constitucionais e de cláusulas abertas, tudo com vistas a evitar posturas conhecidas como próprias do ativismo judicial. Soa-nos, porém, equivocado generalizar e acusar a Constitucionalização do Direito Civil de ser um movimento que ignora o texto legal ou que chancela o ativismo judicial. O movimento possui preocupações científicas de seriedade, embora, como todo movimento, haja aspectos que merecem reflexão.
5. Recivilização Constitucional do Direito Civil
Distinguindo-se metodologicamente da Constitucionalização do Direito Civil, há o que chamamos de movimento da “Recivilização Constitucional do Direito Civil”[4].
Destacamos, como principal sistematizador das ideias que caracterizam essa corrente, o Professor Otávio Luiz Rodrigues Jr., que, por meio de sua tese de livre docência, publicou obra que deu a clareza necessária para enxergamos os contornos desse movimento. Sua obra é de leitura obrigatória (Rodrigues Jr., 2019). Sublinhamos que há riquíssimas obras anteriores de outros consagrados juristas nesse mesmo sentido, como a dos professores Thiago Luís Sombra[5], obras que foram citadas na tese do Livre Docente da USP.
O nome de batismo ora cunhado para esse movimento não foi citado na obra, mas tomamos a liberdade de suscitá-lo por entendermos ser didático nominar esse movimento.
Vários outros civilistas podem ser enquadrados nessa linha metodológica do Direito Civil. Listamos os seguintes civilistas:
RECIVILIZAÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO CIVIL
1. Adisson Leal 2. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf 3. Alexandre Junqueira Gomide 4. Alexandre Laizo Clápis 5. Álvaro Villaça Azevedo 6. Angélica Luciá Carlini 7. Antônio Junqueira de Azevedo 8. Antonio Carlos Morato 9. Atalá Correia 10. Bernardo Bissoto Queiroz de Moraes 11. Bruno Leonardo C. Carrá 12. Caio Morau 14. Carlos Alberto Dabus Maluf 15. Carlos E. Elias de Oliveira 16. Carlos Frederico Barbosa Bentivegna 17. Cícero Dantas Bisneto 18. Daniel Carnaúba 19. Daniel Ustárroz 20. Eduardo de Oliveira Leite 21. Eduardo Tomasevicius Filho 22. Ermiro Neto 23. Fábio Caldas de Araújo 24. Fábio Rocha Pinto e Silva 25. Fernando Leal 26. Fernando Scaff 27. Fernando Speck 28. Flaviana Rampazzo Soares 29. Francisco Sabadin Medina 30. Guilherme Henrique Lima Reinig 31. Gustavo Luís da Cruz Haical 32. Hamid Charaf Bdine Júnior 33. Ignácio Maria Poveda Velasco 34. Hércules Alexandre da Costa Benício 35. João Aguirre 36. João Costa Neto 37. Jones Figuerêdo Alves 38. José Fernando Simão 39. Judith Martins-Costa 40. Karina Fritz | 41. Keila Pacheco Ferreira 42. Luciano Penteado 43. Márcio Flávio Mafra Leal 44. Ministro Marco Aurélio Bellizze 45. Maria Cândida Pires Vieira do Amaral Kroetz 46. Maria Vital da Rocha 47. Marcelo Matos Amaro da Silveira 48. Marcos Bernardes de Mello 49. Maurício Bunazar 50. Maurício A. Von Bruck Lacerda 51. Melhim Namem Chalhub 52. Moira Regina de T. Bossolani 53. Nelson Rosenvald 54. Olindo Herculano de Menezes 55. Olivar Vitale 56. Othon de Azevedo Lopes 57. Patrícia Faga Iglecias Lemos 58. Paulo Cesar Batista dos Santos 59. Paulo Emílio Dantas Nazaré 60. Paulo Roque Khouri 61. Regina Beatriz Tavares da Silva 62. Ricardo-César Pereira Lira 63. Ricardo Dal Pizzol 64. Roberto Paulino de A. Júnior 65. Rodrigo Vaz Sampaio 66. Rodrigo Xavier Leonardo 67. Roger Silva Aguiar 68. Rogerio Andrade Cavalcanti Araújo 69. Sérgio Niemeyer 70. Silmara Chinellato 71. Silvo de Salvo Venosa 72. Técio Spínola 73. Thiago Reis e Souza 74. Thiago Rodovalho 75. Torquato Castro Jr. 76. Tula Wesendonck 77. Venceslau Tavares Costa Filho 78. Vivianne Geraldes Ferreira 79. Zeno Veloso |
Indicamos como recomendação ao leitor a aula 1 do Professor Nelson Rosenvald intitulada “Conceitos Fundamentais de Direito Civil”[6], que segue a linha da Recivilização Constitucional do Direito Civil por defender a eficácia mediata da Constituição. Recomendamos ainda o artigo do Professor Eduardo Tomasevicius Filho expondo sua posição mais afeta à presente corrente (Tomasevicius Filho, 2015).
De um modo geral, a Recivilização Constitucional do Direito Civil reconhece a existência de uma “constitucionalização do Direito Civil”, mas o faz com uma visão bem mais restritiva, associando-a apenas àqueles casos de positivação expressa de normas de Direito Civil na Constituição Federal ou a casos bem limitados e excepcionais de emprego de elementos extrassistemáticos (= fora do Direito Privado).
Nessa linha, esse movimento admite a eficácia de direitos fundamentais nas relações privadas, mas o faz por meio de uma metodologia diferente[7] sem que isso possa ser considerado propriamente “constitucionalização”, e sim um diálogo que todos os ramos do Direito, sem abandonar sua autonomia epistemológica, têm com o Direito Constitucional.
À luz da metodologia da Recivilização Constitucional do Direito Civil, a regra é a de que as normas constitucionais devem ser aplicadas às relações privadas por intermédio da solução legislativa adotada pelo Parlamento. Dessa forma, cabe ao civilista prestigiar, acima de tudo, a interpretação das leis específicas de Direito Civil (que é o resultado da conciliação feita pelo legislador entre os vários valores constitucionais em conflito).
No caso de insuficiência das leis, o civilista deve se socorrer de cláusulas abertas ou princípios gerados dentro do próprio sistema do Direito Privado, com base no substrato teórico produzido dentro da própria civilística, caso em que conceitos como “boa-fé”, “bons costumes”, “abuso de direito” poderão ser empregados. Há, porém, de se ter muita cautela no manuseio dessas normas abertas para evitar voluntarismos ou desarmonias com o sistema do Direito Civil.
Em última instância, como ultima ratio, diante da inaptidão das leis, das cláusulas abertas e dos princípios do próprio sistema do Direito Privado, o civilista poderá se valer de recursos extrassistemáticos (= fora do sistema do Direito Privado), como a aplicação direta de normas e princípios da Constituição às relações privadas.
E, nessa excepcionalíssima hipótese de aplicação direta de normas constitucionais às relações privadas, devem-se priorizar as normas constitucionais que tenham esse específico endereçamento, como as que tratam de direito à herança (art. 5º, XXX, CF), direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF), direito de associação (art. 5º, XX, CF) e relações matrimoniais e parentais (arts. 226, CF).
As demais normas constitucionais (as não endereçadas especificamente ao Direito Civil), como o direito à moradia (art. 6º, caput, CF) ou a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), podem ser utilizadas de modo bem excepcional, sempre atentando às particularidades epistemológicas do Direito Privado e considerando que elas se endereçam primordialmente ao Direito Público (Otávio, 2012).
De fato, basta imaginar a aplicação direta do direito à moradia em uma relação privada envolvendo contrato de locação residencial. Em nome desse direito – que, na verdade, foi endereçado contra o Poder Público -, o Judiciário, esvaziando a força normativa da Lei de Inquilinato, poderia dificultar sobremaneira os despejos de inquilinos, ao argumento de que estes mereceriam a moradia. É evidente que essa postura viola totalmente as particularidades epistemológicas do Direito Privado, que se funda na autonomia privada (a qual, obviamente, pode ser flexibilizada) e geraria efeitos catastróficos no País, como o aumento vertiginoso dos valores dos aluguéis e a recusa de proprietários em alugarem imóveis a inquilinos de baixa renda. Na verdade, o direito à moradia deve ser utilizado contra o Poder Público, com o objetivo de obrigá-lo a, por meio de políticas públicas – que direta ou indiretamente são custeadas pelos impostos -, assegurar esse direito constitucional[8].
Entretanto, nesse mesmo exemplo, pode-se recordar do art. 9º da Lei do RJET (Lei do Regime Jurídico Emergencial e Transitório – Lei nº 14.010/2020), que, por conta dos transtornos causados pela terrível pandemia da Covid-19 (a qual implicou a severa restrição de circulação de pessoas), proibiu a concessão de liminares de despejo em algumas hipóteses. Nesse caso, o Judiciário deverá aplicar essa lei ao caso concreto, pois essa lei já foi fruto da conciliação, feita pelo legislador, dos diversos valores constitucionais envolvidos. Não caberá ao juiz invocar aí normas constitucionais (como a dignidade da pessoa humana ou o direito à moradia), e sim a lei. Afinal de contas, sob a metodologia da Recivilização, adota-se uma eficácia mediata dos direitos fundamentais.
É claro que essa lei será submetida à interpretação e, portanto, a depender do perfil ideológico do civilista ou da teoria argumentativa de sua preferência, o resultado poderá ser diferente. A metodologia da Recivilização não garante respostas únicas, pois ela é apenas uma metodologia. É apenas um arco com um modo próprio de funcionamento; a direção, porém, que a flecha singrará dependerá do arqueiro (do perfil ideológico ou argumentativo do civilista), e não propriamente do arco em si.
Como se vê, na abordagem da Recivilização, é reforçada a autonomia científica do Direito Civil em relação ao Direito Constitucional e aos demais ramos do Direito. Em outras palavras, sob essa linha, a separação entre o Direito Público e o Direito Privado é realçada, ao contrário do que se dá na linha de abordagem da Constitucionalização do Direito Civil (que pressupõe um enfraquecimento dessa linha divisória). O civilista, antes de tudo, deve buscar soluções dentro do próprio do sistema do Direito Civil. O recurso a elementos extrassistemas (= fora do Direito Civil) só deve acontecer de modo muito excepcional, como ultima ratio, sob pena de introduzir um “cavalo de Troia” no sistema civil com a capacidade de causar problemas epistemológicos, de coerência e de segurança jurídica.
Em nenhum momento, a linha de abordagem da Recivilização Constitucional do Direito Civil desconsidera que a dignidade da pessoa humana nem despreza a Constituição Federal tampouco desdenha do que se conhece como “despatrimonialização” ou “repersonalização” do Direito Civil. Aliás, é por isso que batizamos esse movimento de “Recivilização Constitucional”: ele também atenta para a Constituição. Na verdade, a marca distintiva desse movimento é que essa interrelação do Direito Civil com a Constituição adota um caminho metodológico diferente do proposto pelo movimento da Constitucionalização do Direito Civil.
Além do mais, o ônus argumentativo do civilista para se valer de cláusulas gerais ou para invocar normas constitucionais será muito maior na vertente metodológica de Recivilização Constitucional. Isso também representa um traço distintivo em relação à Constitucionalização do Direito Civil (na qual – enfatize-se! – também há um ônus argumentativo, mas em menor intensidade).
A bem da verdade, em muitos casos concretos, os juristas sectários dos diferentes movimentos chegarão a resultados iguais, embora adotando caminhos metodológicos diferentes. A diferença de abordagem tenderá a resultados diferentes em casos mais excepcionais, que envolvem maior complexidade (os hard cases). Por exemplo, ao discutir se o síndico pode aplicar uma multa ao condômino antissocial sem previamente notificá-lo para lhe dar a chance de defender-se, civilistas de ambos os movimentos poderiam chegar ao mesmo resultado (condenar essa falta de notificação) por caminhos diferentes. De um lado, o civilista da Constitucionalização do Direito Civil se valeria, com muito maior facilidade, do princípio constitucional do contraditório ou da dignidade da pessoa humana. De outro, o civilista da Recivilização Constitucional se absteria de, prima facie, se socorrer desse princípio constitucional e buscaria, dentro da própria civilística, uma resposta, como a que seria obtida por meio da aplicação analógica do art. 57 do Código Civil (que exige o contraditório prévio para a exclusão de associado) ou no emprego de cláusulas abertas, como a da vedação ao abuso de direito.
6. Conclusão
O cenário atual do Direito Civil apresenta três principais correntes de abordagem metodológica, e há grande divisão entre os civilistas contemporâneos entre elas, conforme citações feitas a mais de cem civilistas ao longo deste artigo.
A Constitucionalização do Direito Civil marca-se por uma maior abertura epistemológica do Direito Civil, inclinando-se para um modelo forte de aplicação imediata das normas constitucionais e enfatizando o enfraquecimento das barreiras divisórias entre o Direito Privado e o Direito Público.
A Recivilização Constitucional do Direito Civil caracteriza-se por uma menor abertura epistemológica do Direito Civil, abalançando-se para um modelo fraco de eficácia mediata das normas constitucionais e reforçando os muros fronteiriços entre o Direito Privado e o Direito Público.
A linha intermediária ou indefinida apresenta características que ora oscilam entre as duas correntes acima, ora externam características sui generis. Talvez, no futuro, teremos maior clareza se, na verdade, essa linha era uma variação de alguma das duas correntes acima ou se realmente constituía uma terceira espécie de abordagem epistemológica.
O contraste aqui feito entre a Constitucionalização e a Recivilização obviamente contém simplificações, próprias de qualquer taxonomia. Quer-se aqui apenas realçar que há duas posturas metodológicas diferentes no Direito Civil Contemporâneo, deixando ao leitor a incumbência de, por leitura dos textos dos diversos civilistas, desvendar idiossincrasias de cada corrente.
Nos vários casos concretos,
juristas de diferentes correntes metodológicas poderão chegar ao mesmo
resultado, mas é inegável que o caminho argumentativo de cada um será
diferente.
[1] Incluímos aí alguns que, embora já não estejam fisicamente entre nós, eternizaram-se por suas obras e se destacaram à luz de uma das correntes aqui tratadas.
[2] Tivemos a oportunidade de conversar com eles previamente.
[3] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, pp. 50-51, 2020, p. 54.
[4] Damos esse nome de batismo ao movimento, embora, a rigor, ele admita a existência de uma constitucionalização do direito civil (com uma visão bem mais restritiva). Como o nome “constitucionalização do direito civil” se popularizou com uma perspectiva metodológica radicalmente diferente, preferimos escolher um outro nome para esse outro movimento.
[5] SOMBRA, Thiago Luís Santos. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas. São Paulo: Atlas, 2011.
[6] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=z0sx4GsYFG8.
[7] Na sua obra, Otávio Luiz Rodrigues Jr. vincula essa metodologia a um modelo fraco de eficácia indireta dos direitos fundamentais com fatores correção (Rodrigues Jr., 2019, pp. 296-300 e 353-359). Nesse modelo, a eficácia direta de direitos fundamentais nas relações privadas é concebida como ultima ratio e só deve ser utilizada de forma subsidiária mesmo sem a mediação de uma lei. Contrapõe-se, assim, ao modelo forte de eficácia direta, que caracterizaria o movimento da Constitucionalização do Direito Civil e que defende a eficácia direta de normas constitucionais nas relações privadas mesmo sem uma intermediação legislativa, embora, obviamente, o respeito às leis de direito privado não seja negada (Rodrigues Jr., 2019, pp. 300-302).
[8] Fique bem claro que, em nenhum momento, estamos a insinuar que, sob a vertente da Constitucionalização do Direito Civil, o despejo seria proibido à luz do direito à moradia. O que se quer dizer é que, sob o ponto de vista metodológico, o civilista poderia levar em conta o direito constitucional à moradia para a sua reflexão. No mérito, a resposta à sua reflexão dependerá da linha de argumentação jurídica de sua feição. É plenamente viável que, sob essa metodologia, seja obtido resultados antagonicamente diferentes a depender do perfil argumentativo do civilista civil-constitucional. Por outro lado, sob a metodologia da Recivilização Constitucional, o civilista não haveria de levar em conta o direito constitucional à moradia, pois ele é um elemento extrassistema (fora do Direito Privado) e, por isso, não deve ser colocado no horizonte de suas reflexões como regra geral.