Equilíbrio e vulnerabilidade nos contratos: marchas e contramarchas do dirigismo contratual

Equilíbrio e vulnerabilidade nos contratos: marchas e contramarchas do dirigismo contratual

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Texto publicado originalmente na civilistica.com

Rodrigo da Guia Silva
Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pesquisador visitante do Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil), do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont), do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC) e do Comitê Brasileiro da Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française (AHC-Brasil). Pesquisador da Clínica de Responsabilidade Civil da Faculdade de Direito da UERJ. Advogado. E-mail: rodrigo.daguiasilva@gmail.com.


“É nessa direção que convém orientar o dirigismo contratual: socialização do contrato, sim; anarquia contratual, não”

(Louis Josserand)

Resumo: O escopo central do presente estudo consiste em investigar o sentido e o alcance das chaves conceituais do equilíbrio e da vulnerabilidade no direito contratual brasileiro. Tal investigação assume como pano de fundo a tentativa de se compreender o escopo da teoria contratual contemporânea no que diz respeito às marchas e contramarchas do dirigismo contratual. Ao final, espera-se que as reflexões desenvolvidas contribuam para o esclarecimento não apenas das potencialidades das noções de equilíbrio e de vulnerabilidade na dogmática contratual, mas igualmente para a identificação de algumas restrições inerentes à sua operatividade.

Palavras-chave: Equilíbrio contratual; vulnerabilidade; dirigismo contratual; autonomia privada; liberdade contratual; materialização do direito contratual.

Sumário: 1. Introdução; – 2. Notas sobre o germinar da teoria contratual contemporânea: a ascensão do dirigismo contratual; – 3. Ressignificação da autonomia privada no contexto metodológico de materialização do direito contratual; – 4. Contornos de uma formulação heterorreferenciada do equilíbrio contratual; – 5. Em busca do papel a ser desempenhado pela chave conceitual da vulnerabilidade na teoria contratual; – 6. Conclusão; – 7. Referências bibliográficas.

Title: Equilibrium and Vulnerability in Contracts: Marches and Countermarches of Contractual Dirigisme

Abstract: This study aims to investigate the meaning and the scope of the conceptual keys of equilibrium and vulnerability in Brazilian contract law. It takes as backdrop the attempt to understand the scope of contemporary contractual theory with respect to the marches and countermarches of contractual dirigisme. In the end, it is expected that the developed reflections may contribute to clarifying not only the potential of the notions of equilibrium and vulnerability in contract dogmatic, but also to the identification of some restrictions that seem to be inherent to their operability.

Keywords: Equilibrium; vulnerability; contractual dirigisme; private autonomy; materialization of contract law.

Contents: 1. Introduction; – 2. Notes on the emergence of contemporary contractual theory: the rise of contract management; – 3. Reassignment of private autonomy in the methodological context of materialization of contract law; – 4. Outlines of a hetero-referenced formulation of contractual equilibrium; – 5. In search of the role to be played by the conceptual key of vulnerability in contractual theory; – 6. Conclusion; – 7. References.

 

1. Introdução

 

A[1] doutrina contratual se desenvolve historicamente em torno do secular embate entre a proclamação de uma liberdade contratual plena (ou o mais maximizada possível) e a busca por justiça material nos contratos (em especial, quanto ao seu elemento objetivo). Tal embate se reflete diretamente nas marchas e contramarchas[2] do tratamento conferido pela civilística ao fenômeno do dirigismo contratual, ao que se podem associar as oscilações da inclinação axiológica da própria teoria contratual – ora em prol da intervenção corretiva sobre os contratos, ora em prol da deferência ao programa contratual entabulado pelas partes.

Duas chaves conceituais assumem particular destaque nesse esforço de identificação do escopo da teoria contratual contemporânea: equilíbrio e vulnerabilidade. Trata-se, contudo, de noções às quais não se podem associar definições pretensamente consolidadas. Ao revés, a análise da literatura revela que um dos grandes caracteres do estágio atual do desenvolvimento conferido a essas chaves conceituais é justamente a sua expressiva imprecisão conceitual. Justamente à investigação do sentido e do alcance dessas noções se dedica, assim, o presente estudo, mirando a finalidade mediata de compreender qual deve ser o alcance do dirigismo contratual e quais parâmetros podem ser legitimamente invocados para a aferição da legitimidade do concreto exercício da liberdade contratual.

Nessa empreitada, inicialmente passar-se-ão em revista alguns aspectos característicos da teoria contratual contemporânea, com especial destaque para o fenômeno do dirigismo contratual (item 2). Na sequência, buscar-se-á compreender os influxos da denominada materialização do direito contratual sobre a própria autonomia privada (item 3). Tal percurso teórico possibilitará o exame da feição atribuída à noção de equilíbrio pela teoria contratual contemporânea (identificada pela alcunha de formulação heterorreferenciada do equilíbrio contratual), sublinhando-se aspectos de convergência e de divergência dessa proposição em relação ao direito positivo (item 4). Por fim, esboçar-se-á uma investigação sobre o papel da chave conceitual da vulnerabilidade na teoria contratual (item 5), com o que se espera contribuir tanto para a compreensão do escopo da teoria contratual contemporânea quanto para o próprio esclarecimento das restrições inerentes à operatividade do princípio do equilíbrio contratual.

2. Notas sobre o germinar da teoria contratual contemporânea: a ascensão do dirigismo contratual

A compreensão daquela que se virá a referir por uma formulação heterorreferenciada do equilíbrio contratual depende do adequado entendimento do contexto em que floresceram os contornos da teoria contratual contemporânea, contexto esse marcado pela transição do Estado Liberal clássico ao Estado do Bem-Estar Social.[3] Acontecimentos como a intensificação da industrialização, a degradação das condições de trabalho, o incremento das desigualdades socioeconômicas e a difusão das mazelas produzidas pelas duas Guerras Mundiais conduziram à afirmação da insuficiência da economia do livre comércio para a promoção do bem-estar social.[4] Diante desse cenário, o pensamento erguido em objeção ao liberalismo político-econômico oitocentista[5] passou, então, a pugnar pela imprescindibilidade de uma maior intervenção do Estado nas relações privadas para a efetiva promoção da dignidade humana – não por acaso, valor que veio a ter a sua centralidade proclamada pela generalidade dos diplomas internacionais e das Constituições do período posterior à Segunda Guerra Mundial.[6]

Tais ordens de ideias repercutiram diretamente na compreensão do direito contratual. O caráter absoluto outrora conferido à liberdade contratual se arrefeceu face à necessidade de construção de “(…) um sistema do direito privado caracterizado pela tensão entre liberdade e justiça social”.[7] A justiça social, com efeito, passou a ser vista – ao lado de valores como a dignidade da pessoa humana – como uma das pedras angulares que haveriam de conformar a reformulação da teoria contratual.[8] No contexto brasileiro, tais postulados foram ressaltados especialmente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, que erigiu a dignidade da pessoa humana a fundamento da República (art. 1º, III) e elencou a justiça social entre os fundamentos da ordem econômica (art. 170, caput).[9] O reconhecimento da força (e da superioridade) normativa desses comandos constitucionais haveria de conduzir, então, a uma reformulação do inteiro direito privado, em geral, e do direito contratual, em particular.[10]

Afirma-se que uma tal compreensão da matéria findaria por propiciar uma mais adequada redistribuição de riquezas pela via do direito contratual, com expressivas vantagens em relação a ramos como o direito tributário.[11] O direito contratual serviria, assim, ao propósito de redistribuição de riquezas, propósito esse alegadamente decorrente do objetivo constitucional de erradicação das desigualdades sociais e regionais.[12] Sustenta-se, em suma, que do referido mandamento constitucional decorreria a necessidade de uma atuação interventiva do Estado na específica seara dos contratos, a fim de que também esse ramo do direito se prestasse ao cumprimento do projeto geral de transformação (e não apenas conservação) da realidade social.[13]

Em termos mais específicos, pode-se afirmar que essa nova visão de mundo conduziu, no que tange ao objeto do presente estudo, à expansão do dirigismo contratual.[14] Trata-se de fenômeno verificado tanto no plano da política legislativa quanto no plano da interpretação-aplicação do direito. No âmbito legislativo, o dirigismo contratual se associa, por exemplo, à propagação de diplomas legais preocupados em dispensar maior proteção aos contratantes tidos por mais fracos em determinados setores ou relações.[15] Assim sucedeu na experiência brasileira, ilustrativamente, com a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452/1943), o Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei n. 8.078/1990) e os diplomas normativos referentes à locação predial urbana – de que constitui exemplo maior a vigente Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/1991).[16]

Tais estatutos convergem, em linhas gerais, quanto ao afastamento dos postulados liberais que tradicionalmente inspiraram os Códigos Civis e quanto à enunciação de um regramento protetivo da parte presumidamente vulnerável – nos exemplos mencionados, o trabalhador face ao empregador, o consumidor face ao fornecedor e o locatário face ao locador, respectivamente.[17] Tamanha foi a importância atribuída a esse fenômeno – constatado no Brasil e alhures – de edição de leis especiais destinadas à proteção de certos contratantes que se chegou a identificar, em célebre formulação, a configuração de uma era (ou idade) da descodificação.[18]

Apesar de seu cunho mais propriamente descritivo do que propositivo,[19] a constatação do fenômeno da descodificação não raramente é associada, sem toda a cautela necessária, a uma suposta defesa do esgotamento da relevância dos Códigos Civis.[20] Ainda mais surpreendente, contudo, é a indevida associação da formulação teórica da descodificação à metodologia civil-constitucional,[21] metodologia essa que tem como um dos seus principais pilares justamente a rejeição de um dos postulados fundamentais da formulação de Natalino Irti – qual seja, a possibilidade de conformação de “microssistemas” autônomos no interior do ordenamento jurídico.[22]

De qualquer modo, para além do renovado cenário legislativo, o dirigismo contratual se manifesta, ainda – e aqui reside a maior relevância do fenômeno para o presente estudo –, na formulação doutrinária de uma renovada teoria contratual. Em oposição ao paradigma antecedente, delinearam-se justificadas críticas a diversas das premissas fundamentais do modelo liberal clássico em matéria contratual.[23] Pontuaram-se, assim, por exemplo, a necessidade de superação do dogma da vontade[24] e a insuficiência da acepção puramente formal da isonomia e, sobretudo, da liberdade e da justiça contratuais.[25] Diante do reconhecimento geral da historicidade e da relatividade dos conceitos e dos institutos jurídicos, não é de se estranhar o esforço de compreensão das novas acepções assumidas pelos referidos princípios no contexto de transição do Estado Liberal clássico ao Estado do Bem-Estar Social.[26]

3. Ressignificação da autonomia privada no contexto metodológico de materialização do direito contratual

A inteira noção de autonomia privada passou, no mencionado cenário, por uma ressignificação, ao que se relaciona a própria revisitação dos princípios contratuais clássicos à luz dos denominados novos princípios contratuais – boa-fé objetiva, função social e equilíbrio.[27] A autonomia privada enfrenta, assim, uma expressiva transformação qualitativa em razão da sua funcionalização à tabua axiológica constitucional.[28] Passou a se reconhecer que a disciplina contratual não poderia se eximir do imperativo de promoção dos valores mais caros ao ordenamento jurídico – entre os quais se situam, como já mencionado, a solidariedade social e a isonomia substancial.[29] À vertente substancial (ou material) da isonomia passa a ser atribuído papel central para a configuração de um direito contratual materialmente compatível os valores constitucionais.[30]

A legitimidade (ou, em outras palavras, o merecimento de tutela em sentido lato)[31] do exercício da autonomia privada passa a estar subordinada, enfim, à sua compatibilidade com os valores tutelados pela Constituição.[32] Rechaça-se, com isso, eventual formulação teórica que pretenda atribuir um caráter absoluto à autonomia privada, visto que o seu exercício não pode escapar da incidência imperativa dos ditames constitucionais.[33] O propósito de ressaltar essa ausência de valor absoluto parece subjazer a duas relevantes premissas metodológicas que ostentam similar ordem de preocupação.

De uma parte, afirma-se que “a autonomia não é um valor em si”[34] ou, ainda, que “a autonomia não é um fim em si mesma”,[35] formulações cujo propósito maior talvez consista justamente na afirmação da imprescindibilidade da ponderação da autonomia privada, em seu concreto exercício, com os demais valores tutelados pelo ordenamento.[36] De outra parte, no que tange especificamente à liberdade contratual, proclama-se a sua subordinação a limites internos, com o que se busca ressaltar que os ditos limites à liberdade contratual não são excepcionais e nem estranhos à sua configuração.[37] Em realidade, a legitimidade do concreto exercício da liberdade contratual somente pode ser investigada a partir do seu cotejo com a inteira tábua axiológica constitucional.

As transformações operadas na matéria encontram boa síntese na célebre formulação de Claus-Wilhelm Canaris acerca da materialização (“Materialisierung”) do direito contratual.[38] O termo materialização busca, de modo geral, sintetizar a defesa de um paradigma contratual que supere a análise puramente formal em prol de uma análise pautada em uma visão concreta acerca da liberdade contratual, da justiça contratual e dos princípios político-ideológicos fundamentais subjacentes ao direito contratual.[39] Maior atenção merece, nesse contexto, o esforço de materialização da liberdade contratual e da justiça contratual, a repercutir diretamente na compreensão do equilíbrio contratual, como se poderá ver na sequência.

No que tange à liberdade contratual, a materialização reclama do intérprete a consideração dos mais variados obstáculos que possam vir a comprometer a livre formação e manifestação da vontade dos contratantes. A configuração de uma efetiva liberdade contratual depende, assim, da ausência de obstáculos não apenas jurídicos, mas, sobretudo, fáticos ao exercício da liberdade que o ordenamento confere aos particulares.[40] Justamente para se ressaltar a insuficiência da análise apenas dos obstáculos jurídicos, recorre-se ao par conceitual formal/material para se fazer menção às distintas (embora complementares) dimensões da liberdade contratual.[41]

O intérprete não pode se contentar, portanto, com a investigação da ausência de obstáculos de cunho legal ao exercício da liberdade (liberdade contratual formal). A mera higidez do processo de formação do contrato – ao menos, em seu sentido clássico de ausência de vícios do consentimento – não basta para a afirmação da legitimidade do concreto exercício da liberdade contratual. O exame deve se completar, em realidade, com a inquirição sobre a inexistência de obstáculos de cunho factual ao exercício da liberdade (liberdade contratual material).[42] Há de se rejeitar, assim, uma compreensão puramente formal que finde por atribuir à liberdade contratual o sentido de uma “liberdade de morrer de fome ou, no máximo, de ser explorado indignamente e injustamente lesado”, o que corresponderia ao que já se referiu por “liberdade na selva”.[43]

Disso não se deve depreender, contudo, que toda e qualquer espécie de obstáculo fático ao exercício da liberdade contratual deveria tolher a legitimidade do contrato celebrado pelas partes. A restrição fática há de ser tal que comprometa substancialmente o efetivo exercício da autonomia por certo contratante. As duas dimensões da liberdade contratual estão, em suma, “em uma sensível relação de tensão”, de cuja adequada condução depende a correta atuação da própria obrigatoriedade dos pactos: afinal, uma vinculação irrestrita das partes, cega a graves obstáculos fáticos, pode ser tão nefasta quanto a ausência absoluta de vinculação.[44]

Não apenas a liberdade contratual, mas também a justiça contratual poderia ser vista sob um ponto de vista formal e sob um ponto de vista material.[45] De uma parte, em sua dimensão formal, a justiça contratual teria um caráter procedimental, relacionado à higidez do processo conducente à formação do contrato.[46] De outra parte, em sua dimensão material, a justiça contratual teria um caráter substancial, preocupado com a valoração do conteúdo da avença.[47] A própria formulação da questão evidencia, enfim, a íntima relação entre as noções de justiça contratual substancial e aquilo que se viria a referir por equilíbrio contratual,[48] especificamente em sua acepção heterorreferenciada, que se passa a examinar.

4. Contornos de uma formulação heterorreferenciada do equilíbrio contratual

Sem embargo de eventual diversidade de nomenclatura, parece possível afirmar que a preocupação com a materialização da liberdade contratual e da justiça contratual está na base no desenvolvimento atribuído pela doutrina contemporânea à temática do equilíbrio contratual. O princípio do equilíbrio contratual consistiria, a partir das premissas analisadas, em parâmetro para a valoração da legitimidade da avença. Segundo essa linha de raciocínio, o concreto exercício da liberdade contratual somente afigurar-se-ia legítimo – e, portanto, merecedor de tutela – se resultasse em uma avença consentânea com postulados como a liberdade contratual efetiva, a isonomia substancial e a justiça contratual substancial,[49] noções usualmente associadas a uma suposta necessidade de equilíbrio entre as prestações assumidas pelos contratantes.[50]

A noção de justiça contratual passa, enfim, a ser cada vez mais associada à própria ideia de equilíbrio entre as prestações assumidas pelas partes.[51] A análise se desprende, assim, da acepção formal do equilíbrio contratual – para a qual presumir-se-ia o equilíbrio de um contrato validamente formado – e parte rumo a uma acepção substancial do equilíbrio contratual.[52] De acordo com esse modo de compreensão da matéria, a justiça contratual deixa de depender da mera higidez do processo de formação da avença e passa a levar em consideração igualmente o seu conteúdo, de modo a se “resguardar um patamar mínimo de equilíbrio entre as posições econômicas de ambos os contratantes”.[53]

O equilíbrio – e, por via de consequência, a justiça – do contrato não decorreria do mero acordo de vontades (como se extrairia de uma noção autorreferenciada do equilíbrio contratual),[54] mas sim de uma análise pautada em critérios externos à vontade das partes.[55] Tais critérios externos remontariam à própria tábua de valores da Constituição, com destaque para a solidariedade social e a isonomia substancial.[56] Da axiologia constitucional decorreria, então, segundo essa construção teórica, a busca por um equilíbrio substancial (e não meramente formal), a se manifestar na preocupação com uma relação de equivalência ou de proporcionalidade objetiva entre as prestações.[57]

Da exigência de apuração do equilíbrio (e, por via de consequência, da justiça) contratual à luz da tábua axiológica constitucional decorreu, no plano teórico-metodológico, a afirmação de uma íntima relação entre o princípio do equilíbrio contratual e o juízo de merecimento de tutela da liberdade contratual.[58] A legitimidade do concreto exercício da liberdade contratual dependeria, assim, da configuração de um contrato objetivamente equilibrado – ou, ao menos, da identificação de um desequilíbrio justificado por alguma legítima razão material.[59] O princípio do equilíbrio contratual serviria, nessa formulação, “como parâmetro para o controle de merecimento de tutela do conteúdo contratual”.[60]

Restaria, então, definir-se o sentido a ser atribuído ao equilíbrio de cuja configuração dependeria a própria legitimidade do contrato entabulado pelas partes. A partir do aludido esforço de superação da análise puramente formal, difundiu-se na doutrina contemporânea o entendimento que associa o equilíbrio contratual a uma noção de equivalência substancial ou material.[61] Buscou-se, com isso, ressaltar a feição objetiva e substancial daquilo que haveria de atuar como parâmetro para a valoração do concreto exercício da liberdade contratual.[62]

Não tardou, contudo, a se perceberem os riscos e os inconvenientes que poderiam advir de uma formulação pautada na busca por uma igualdade absoluta entre as prestações.[63] Seja pela potencial irrelevância de desproporções de diminuta monta, seja pela insuficiência do exame apenas das prestações principais (e não do inteiro regulamento contratual),[64] seja, enfim, pela possibilidade de circunstâncias legítimas justificarem a formação de um contrato – por assim dizer – desequilibrado, não faltaram razões para a acertada crítica[65] às denominações princípio da equivalência material ou princípio da equivalência das prestações,[66] as quais poderiam remontar mais diretamente à ideia de igualdade estrita.[67] Para a operatividade do princípio do equilíbrio contratual, segundo essa apurada linha de raciocínio, “a questão não é tanto de equivalência (igual valor), mas sim de equilibrar (do latim, aequi librare, sopesar) ou, mais precisamente, de prevenir manifestas desproporções ou desequilíbrios macroscópicos”.[68]

Na tentativa de conciliar a busca por um equilíbrio substancial e objetivo com as ressalvas supramencionadas, sustenta-se, em doutrina, que o núcleo essencial do princípio do equilíbrio contratual consistiria em um “controle de proporcionalidade de caráter interno e objetivo (econômico) do contrato”.[69] Busca-se, com isso, ressaltar a necessidade de um controle eminentemente quantitativo e objetivo do conteúdo contratual,[70] controle esse sem o qual não se poderia completar a investigação sobre a legitimidade da avença.[71] Tão expressiva é a conexão, presente nessa linha de pensamento, entre o equilíbrio contratual e a proporcionalidade que se chega a vislumbrar nesta última (a proporcionalidade) não apenas o núcleo essencial da noção de equilíbrio, mas igualmente uma certa espécie de origem do princípio do equilíbrio contratual.[72]

Seja no plano originário, seja no plano superveniente, eis, em síntese essencial, a formulação que se pode referir por noção heterorreferenciada do equilíbrio contratual.[73] Segundo essa forma de compreensão da matéria, o equilíbrio teria como parâmetro de análise não o próprio contrato, mas sim valores externos à vontade das partes, daí a sua caracterização como uma visão heterorreferenciada. Também poder-se-ia reputar heterônoma[74] ou, ainda, objetiva essa visão, dado o destaque conferido a elementos de cunho objetivo (e quantitativo) para a conformação do equilíbrio contratual a servir de parâmetro de análise da concreta relação entabulada pelos particulares.

Ainda no que tange à compreensão do equilíbrio contratual pela linha de entendimento em exame, há de se destacar que o esforço de objetivação do tratamento dispensado à matéria findaria por resultar na defesa de uma rígida separação conceitual entre o princípio do equilíbrio e o imperativo de tutela das vulnerabilidades contratuais.[75] Segundo essa formulação, o caráter objetivo do equilíbrio demandaria o seu afastamento conceitual em relação a eventuais indagações pautadas na preocupação de se protegerem determinadas pessoas em razão das suas circunstâncias pessoais – não já, portanto, puramente em razão de uma desproporcionalidade objetiva entre prestações.[76]

Sem embargo da destacada importância da referida linha de entendimento para o desenvolvimento da dogmática contratual contemporânea, uma breve incursão no Código Civil parece conduzir à identificação tanto de convergências quanto de divergências entre as premissas teóricas supramencionadas e a orientação do direito positivo. Antes de se demonstrar especificamente o porquê dessa sinalização, cumpre pontuar sinteticamente os enunciados normativos do Código Civil brasileiro mais comumente associados ao princípio do equilíbrio contratual.[77]

No plano originário (i.e., no âmbito da formação do contrato), usualmente se apontam os dispositivos que estabelecem a disciplina de dois dos denominados vícios do consentimento – lesão (art. 157) e estado de perigo (art. 156). No plano superveniente (i.e., no âmbito das vicissitudes posteriores à formação do contrato),[78] por sua vez, comumente se apontam os dispositivos referentes à revisão ou à resolução por onerosidade excessiva (arts. 317, 478, 479 e 480).[79] Também se invoca, nesse diapasão, o dispositivo que permite ao juiz reduzir equitativamente a cláusula penal em determinadas circunstâncias (art. 413).[80]

Pode-se, então, compreender a razão da prenunciada identificação simultânea tanto de convergência quanto de divergência entre a doutrina contemporânea do equilíbrio contratual e o tratamento legislativo consagrado nos dispositivos mencionados. De uma parte, nota-se uma convergência no que tange à preocupação com a garantia de alguma proporcionalidade econômica entre prestações, com a subsequente repressão de desequilíbrios tanto no plano originário quanto no plano superveniente.[81] De outra parte, constata-se uma expressiva divergência em razão de o legislador ter atrelado a repressão do dito desequilíbrio (sobretudo, no plano originário) a elementos de índole subjetiva (de que são exemplos maiores os requisitos de inexperiência ou premente necessidade na disciplina da lesão),[82] orientação essa que a formulação heterorreferenciada do equilíbrio contratual reputa incompatível com a feição estritamente objetiva que se busca conferir ao princípio em comento.[83] O caminho para a compreensão do tratamento dispensado pelo Código Civil ao desequilíbrio originário parece residir na identificação do papel a ser desempenhado pela chave conceitual da vulnerabilidade na teoria contratual.

5. Em busca do papel a ser desempenhado pela chave conceitual da vulnerabilidade na teoria contratual

A referida concepção heterorreferenciada do equilíbrio contratual tem o mérito de lançar um novo olhar sobre a disciplina dos contratos, em especial no que tange à afirmação de que a vontade individual não pode servir de parâmetro valorativo de si própria. Esse mérito não impede – antes, aconselha –, contudo, que se enunciem algumas advertências acerca da noção heterorreferenciada do equilíbrio contratual. Tais advertências se resumem fundamentalmente à sinalização de duas espécies de riscos no enfrentamento da matéria: de um lado, o risco de uma intervenção injustificada em certas relações privadas; de outro lado, o risco de esmorecimento da autonomia conceitual do próprio princípio do equilíbrio contratual.

O primeiro dos aludidos riscos tem origem especificamente na proclamação de uma rígida separação entre as noções de equilíbrio contratual e de vulnerabilidade. Não se desconhece, por certo, o esforço deliberado dessa formulação teórica quanto à objetivação do tratamento dispensado ao equilíbrio contratual, em oposição àquela que se referiu por uma concepção autorreferenciada do tema. Do acertado esforço de objetivação da análise dos contratos não parece possível, contudo, depreender a enunciação de um princípio que pudesse legitimar, prima facie, a intervenção judicial na busca por uma proporcionalidade econômico-financeira na generalidade das relações contratuais independentemente da análise das partes envolvidas, sua posição na relação, seus interesses e suas eventuais vulnerabilidades concretas.

Contra um tal desiderato – excessivamente objetivista – se haveriam de objetar tanto razões de índole prática quanto razões de índole jurídico-constitucional. No plano da práxis, pode-se pensar em circunstâncias como a dificuldade de definição judicial do justo preço[84] e o potencial de consequências negativas para a regulação do mercado em uma economia pautada pela liberdade de iniciativa e pela liberdade de fixação de preços. Adiante-se, desde logo, uma ressalva fundamental: tais inconvenientes de índole prática não ostentam valor propriamente (ou puramente) jurídico – e, de qualquer modo, certamente não superior aos valores constitucionais –, razão pela qual podem e devem ser superadas quando o ordenamento jurídico assim reclamar.

Às possíveis objeções da práxis se acoplam, de qualquer modo, relevantes óbices de cunho jurídico-constitucional. Com efeito, não parece possível extrair da disciplina constitucional um imperativo de proporcionalidade econômico-financeira como requisito geral de legitimidade das relações contratuais.[85] Em outros termos, do ordenamento jurídico não se depreende uma repressão absoluta a legítimas posições de vantagem conquistadas negocialmente.[86] Mesmo a se partir da questionável (e já referida) premissa de que o direito contratual deveria ser orientado pelo ideal de redistribuição de riquezas,[87] perceber-se-á que a intervenção judicial não haveria de se pautar pela busca indiscriminada de proporcionalidade econômico-financeira, mas sim pela busca de tal relação de proporcionalidade quando o cenário contraposto (i.e., o cenário de ausência de proporcionalidade) for prejudicial à parte socioeconomicamente menos favorecida da relação. A redistribuição de riquezas somente poderia ser promovida, afinal, com uma intervenção destinada a favorecer a parte em situação de inferioridade, sob pena de a disciplina contratual não apenas preservar, mas intensificar as desigualdades que a Constituição busca reduzir.

Do quanto exposto não se deve extrair uma conclusão no sentido da absoluta irrelevância da equivalência ou da proporcionalidade econômica entre as prestações (ou polos prestacionais)[88] a cargo de cada uma das partes. Ao revés, a intervenção judicial pautada na implementação de uma certa relação de proporcionalidade afigura-se um relevante mecanismo de concretização de valores constitucionais como a isonomia substancial, a solidariedade social e a justiça social. A atuação desse mecanismo corretivo será legítima, então, quando algum fator concreto vinculado às pessoas envolvidas assim demandar.[89]

Sob esse prisma, pode-se vislumbrar nos dispositivos normativos tradicionalmente associados à tutela do dito equilíbrio contratual originário um esforço de concretização do ideal de intervenção corretiva em razão da necessidade de tutela da pessoa que declarou vontade em alguma situação de inferioridade.[90] Assim se verifica na disciplina que o Código Civil dispensa tanto à lesão quanto ao estado de perigo: no âmbito da lesão, o legislador alude a “uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência” (art. 157); no âmbito do estado de perigo, o legislador alude a “alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família” (art. 156). Tem-se, assim, circunstâncias pessoais (ou subjetivas, por assim dizer) que autorizam a intervenção judicial quando conjugadas a circunstâncias objetivas atinentes às prestações – “prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta” e “obrigação excessivamente onerosa”, no âmbito da lesão e do estado de perigo, respectivamente.

Também no âmbito do Código de Defesa do Consumidor (CDC) se vislumbra a concretização desse raciocínio. Como se sabe, a disposição mais comumente associada a uma noção de equilíbrio contratual é aquela contida no art. 6º, V, que, entre os direitos básicos do consumidor, assegura “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”. Focando-se a atenção no plano originário da relação contratual, pode-se perceber que o diploma legal estabelece o direito à revisão a partir da conjugação de duas circunstâncias – uma objetiva (desproporcionalidade entre prestações, como indicado pelo inciso V do art. 6º) e outra subjetiva (a presença de um consumidor, como indicado pelo próprio caput do art. 6º). Semelhante conclusão pode ser enunciada a partir da análise dos enunciados normativos que buscam delimitar a noção de “desvantagem exagerada” para fins de configuração da cláusula abusiva cuja nulidade é cominada pelo art. 51, IV, do CDC.[91]

A consideração de uma parte vulnerável é justamente o fio condutor das previsões legais em comento.[92] Com efeito, o arcabouço protetivo do CDC se orienta precipuamente pelo escopo de tutela de uma parte vulnerável no âmbito de relação travada com um fornecedor no mercado de consumo.[93] Tal vulnerabilidade, que pode ser ou bem presumida (como sói acontecer com a pessoa humana na qualidade de consumidora)[94] ou bem demonstrada em concreto (como se costuma exigir, à luz da doutrina do finalismo mitigado, para a qualificação de uma pessoa jurídica como consumidora a ser protegida pelo CDC),[95] aparece como uma constante na disciplina protetiva em comento.[96]

O recurso à noção de vulnerabilidade se situa no âmbito do esforço geral (não restrito ao âmbito consumerista, portanto) de “(…) tentar adequar a dogmática tradicional do direito privado à ordem constitucional que privilegia a pessoa humana, no sentido da despatrimonialização do direito civil, rumo a uma sociedade mais livre, justa e solidária”.[97] Em que pese a ausência de definição estrita, parece possível destacar um relevante aspecto subjacente às formulações teóricas sobre a vulnerabilidade, qual seja: o reconhecimento de que a concretização da tábua axiológica constitucional não se pode perfazer sem a efetiva proteção da pessoa em suas concretas relações (superada, portanto, a categoria abstrata do sujeito de direito).[98]

O intérprete-aplicador do direito atento às vulnerabilidades das partes posta-se, portanto, um passo mais próximo de se desincumbir da sua responsabilidade de promover a vasta e complexa gama de valores tutelados pelo ordenamento jurídico. Desse modo, a consideração das referidas vulnerabilidades traduz relevante mecanismo de concretização de valores como a dignidade humana, a igualdade substancial,[99] a solidariedade social e a justiça social.[100] A própria configuração do Estado do Bem-Estar Social, em oposição ao Estado liberal clássico, demanda essa intervenção protetiva,[101] pautada em uma lógica que já se referiu por desigualdade positiva, com o que se pretende aludir à intervenção do Estado no sentido de conferir tratamento diferenciado às pessoas situadas em posição de desigualdade fática.[102]

No específico âmbito dos contratos, parece possível entender a vulnerabilidade como a situação de determinada pessoa que se encontra em posição de inferioridade negocial e que, portanto, demanda tutela especial.[103] Essa inferioridade pode estar relacionada a um sem número de fatores sociais e/ou econômicos, tais como a assimetria informacional,[104] a ausência ou excessiva restrição de poder de barganha (como presumivelmente acontece em contratos de adesão),[105] a subordinação face ao poder econômico (como ocorre, por exemplo, nas hipóteses de monopólios e oligopólios),[106] a dependência econômica[107] (pense-se na situação da maioria dos trabalhadores face aos seus empregadores[108] ou mesmo na situação do locatário em imóvel residencial face ao locador)[109] ou, ainda, a hipossuficiência econômica.[110]

Exportando-se a noção de vulnerabilidade para a compreensão geral do direito dos contratos, pode-se identificar precisamente a vulnerabilidade contratual como a noção mais adequada a desempenhar o papel de fundamentar (e de modular) a intervenção corretiva nas relações privadas, evitando-se o que já se referiu por “banalização do dirigismo contratual”.[111] Legitimar-se-ia (e impor-se-ia), assim, a intervenção estatal para a proteção dos contratantes porventura reputados, à luz das circunstâncias do caso concreto, vulneráveis.[112]

Analisando-se a questão sob outra perspectiva, pode-se afirmar que a vulnerabilidade contratual é um relevante índice para a definição do concreto espaço a ser atribuído à própria liberdade contratual. A vulnerabilidade não há de ser, por certo, o único índice,[113] porém deve desempenhar relevante papel na conformação da liberdade conferida pelo ordenamento aos particulares em matéria contratual. Em consequência desse raciocínio, parece possível afirmar que o alcance da liberdade contratual tende a ser inversamente proporcional à extensão (ou à gravidade) da vulnerabilidade do figurante. Desse modo, quanto mais acentuada a vulnerabilidade de uma das partes na concreta relação, menor será o grau de autonomia deferido às partes e maior será a necessidade de intervenção corretiva.

Uma tal compreensão da vulnerabilidade contratual vai ao encontro do propósito identificado pela já referida expressão materialização da liberdade contratual, pois somente a correção das desigualdades fáticas comprometedoras da simetria negocial pode propiciar o exercício de uma autêntica liberdade no direito dos contratos. O recurso à chave conceitual da vulnerabilidade afasta, assim, os riscos que poderiam advir da hegemonia do arbítrio de um contratante em detrimento da sua contraparte.[114] Trata-se, em suma, de reconhecer que, a despeito da isonomia formal legalmente proclamada, pode haver uma disparidade fático-econômica idônea a comprometer o efetivo exercício da liberdade contratual e propiciar a transformação dessa liberdade em “tirania”.[115]

Afigura-se igualmente possível, por certo, que não haja vulnerabilidade nem outros fatores a legitimar uma intervenção pretensamente corretiva, hipóteses em que será de se esperar deferência ao programa contratual entabulado pelas partes em legítimo exercício de autonomia privada.[116] Assim, se após a implementação de todo o complexo juízo valorativo que há de incidir sobre o contrato vier a se concluir pela legitimidade do concreto exercício da liberdade contratual, redobrada cautela haver-se-á de dedicar ao estudo de uma justiça contratual pautada em critérios externos à vontade das partes.[117]

Qualquer que venha a ser a conclusão do raciocínio, faz-se imperioso reconhecer a imprescindibilidade da análise material da situação dos figurantes no âmbito de cada relação contratual concretamente considerada. Apenas uma tal ordem de análise propicia a adequada investigação acerca de eventual vulnerabilidade contratual de alguma das partes.

O raciocínio ora empreendido há de repercutir diretamente sobre a própria compreensão do princípio do equilíbrio contratual. A se assumir o acerto das precedentes considerações, chega-se à seguinte proposta de releitura da matéria: o controle de proporcionalidade objetivo-econômica das prestações vincula-se ao imperativo de tutela de vulnerabilidades contratuais.[118] A partir de semelhante ordem de preocupação, já se afirmou em doutrina que “o princípio do equilíbrio econômico expressa a preocupação da teoria contratual contemporânea com o contratante vulnerável”.[119]

As precedentes considerações buscaram demonstrar o risco de que a concepção heterorreferenciada do equilíbrio contratual traduza uma desassociação entre o controle de proporcionalidade econômico-objetiva e o imperativo de tutela das vulnerabilidades contratuais. Pode-se passar, então, ao delineamento de um segundo risco suscitado por referida concepção da matéria – o risco de esmorecimento da autonomia conceitual do próprio princípio do equilíbrio contratual. Trata-se, a bem da verdade, de risco subjacente tanto à concepção heterorreferenciada quanto àquela autorreferenciada do equilíbrio contratual. Apesar disso, convém concentrar a análise desse risco no bojo da concepção heterorreferenciada, em razão do destaque consideravelmente maior atribuído por tal linha de pensamento à investigação do conceito do equilíbrio contratual.

Sem que se deixe de levar em consideração todo o avanço proporcionado pela doutrina empenhada na construção de uma noção heterorreferenciada do equilíbrio contratual, parece possível identificar-se um certo risco de emaranhamento conceitual entre o princípio do equilíbrio contratual e outros princípios consagrados pelo ordenamento jurídico. Com efeito, no mais das vezes se percebe que a invocação de um princípio do equilíbrio contratual é movida pelo propósito de concretização de princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, o valor social da livre iniciativa, a solidariedade social, a isonomia substancial ou, mesmo, o objetivo fundamental de redução das desigualdades sociais e regionais.

Não se está a enunciar um equívoco da aplicação de tais preceitos às relações contratuais, mas tão somente a pontuar que a sua incidência não depende propriamente de um princípio intermediador.[120] A implementação de uma proporcionalidade econômico-financeira entre as prestações (noção usualmente associada em doutrina ao núcleo do princípio do equilíbrio contratual) funciona, em realidade, como um possível mecanismo de concretização, na seara contratual, dos valores promovidos pelos variados princípios supramencionados. A necessária correlação – a que já se pôde fazer menção – entre a intervenção corretiva e a tutela das vulnerabilidades revela que, em realidade, a proporcionalidade econômico-financeira entre as prestações não é um valor agasalhado per se pelo ordenamento – o que desaconselha, portanto, a enunciação de um princípio cujo conteúdo se resuma a tal medida que não constitui um valor jurídico propriamente dito.

A invocação de um princípio do equilíbrio contratual, nesse contexto, parece traduzir, ao fim e ao cabo, um recurso linguístico de abreviação da referência à necessidade de conformação do regulamento contratual e da sua concreta execução aos diversos valores componentes da tábua axiológica constitucional.[121] O equilíbrio contratual, tal como usualmente concebido, findaria, então, por afastar-se de uma feição propriamente principiológica e assumiria, quanto muito, o caráter de postulado normativo,[122] a reclamar a atenção do intérprete para a consideração dos valores (atinentes às partes, e não externos a elas)[123] mais diretamente relevantes para a conformação da legitimidade do concreto exercício da liberdade contratual e das posições contratuais.

Tal tratamento do equilíbrio contratual como postulado normativo, embora frequente e não necessariamente indesejável na prática (sendo sempre de se louvar o cumprimento, pelo intérprete, de seu dever de reportar-se à axiologia do ordenamento), não obsta que se lhe busque atribuir um conceito autônomo. Nessa empreitada, haver-se-á de reconhecer, por um lado, que o controle de proporcionalidade objetiva entre os polos prestacionais (escopo usualmente – talvez indevidamente – atribuído ao princípio do equilíbrio contratual) vincula-se necessariamente ao imperativo de tutela das vulnerabilidades contratuais; e, por outro lado, que o conteúdo próprio do princípio do equilíbrio contratual não se confunde com o substrato de outros princípios consagrados pela ordem jurídica brasileira, razão pela qual não se deve circunscrever a compreensão do princípio em comento a um simples postulado normativo.

Eis, em apertada síntese, algumas das premissas em que se sustenta a hipótese – a demandar desenvolvimento detido em sede própria – no sentido de que a conformação dogmática do princípio do equilíbrio contratual no direito brasileiro se desvincula tanto do puro e abstrato controle de proporcionalidade objetiva entre polos prestacionais quanto da feição meramente instrumental de concretização de princípios variados consagrados pelo sistema jurídico. Ao revés, deve-se buscar compreender o papel desempenhado pelo princípio sob exame para a proteção do concreto regulamento de interesses das partes – em deliberado aceno à noção autorreferenciada do equilíbrio contratual, mas sem se abrir mão dos muitos pontos relevantes da noção heterorreferenciada.[124] O caminho para a plena compreensão do princípio do equilíbrio contratual parece remontar, assim, a uma releitura funcional da obrigatoriedade dos pactos,[125] compreendida em toda a complexidade que fenômenos como a heterointegração atribuem às relações obrigacionais no contexto contemporâneo.[126]

6. Conclusão

As precedentes considerações buscaram elucidar alguns aspectos relevantes para a investigação do escopo a ser desempenhado pela teoria contratual contemporânea. Para tanto, passou-se em revista o tratamento conferido pela civilística às noções de equilíbrio e de vulnerabilidade, a fim de se analisar o adequado sentido desses conceitos e, em geral, o direcionamento do próprio direito contratual à luz da ordem jurídica brasileira. O raciocínio desenvolvido conduziu, entre outros pontos, à constatação de que uma análise puramente objetiva do equilíbrio (desvinculada, portanto, da consideração das vicissitudes da situação subjetiva de cada contratante concretamente considerado) pode implicar um risco de esmorecimento conceitual do princípio do equilíbrio contratual. Ao mesmo tempo, identificou-se um risco de déficit de legitimidade constitucional por parte da atuação interventiva que, a pretexto de reprimir desproporções entre as prestações, finde por traduzir comprometimento da liberdade contratual sem uma justificativa valorativa suficiente.

Da simplicidade do quanto exposto parece possível extrair uma recomendação geral: do intérprete-aplicador do direito na seara contratual espera-se, à luz da ordem constitucional brasileira, que não descuide nem da coragem nem da prudência no tratamento das relações contratuais. Por um lado, a virtude da coragem há de se destacar quando uma vulnerabilidade na concreta relação jurídica constituir obstáculo fático à promoção dos valores tutelados pelo ordenamento, a demandar atuação corretiva pelo intérprete. Por outro lado, a virtude da prudência há de se destacar quando não houver vulnerabilidade a demandar uma intervenção no regulamento contratual, ainda que se esteja diante de contrato posteriormente considerado desvantajoso, do ponto de vista econômico, para uma das partes.

Espera-se, ao final, que o percurso teórico trilhado possa auxiliar a civilística a aproximar-se da orientação contida na passagem que serve de epígrafe a este estudo, de modo a, a um só tempo, promover-se a socialização do contrato sem se deixar espaço para uma anarquia contratual.[127] Afinal, o direito não protege o contratante, pura e simplesmente, contra maus negócios.

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[1] O autor agradece ao Prof. Eduardo Nunes de Souza pela revisão crítica do original e, sobretudo, pela inspiração e pelo constante incentivo para o desenvolvimento de novas reflexões acerca do direito civil contemporâneo.

[2] O uso da expressão marchas e contramarchas se inspira diretamente na lição de TEPEDINO, Gustavo. Marchas e contramarchas da constitucionalização do direito civil: a interpretação do direito privado à luz da Constituição da República. [Syn]Thesis, vol. 5, n. 1, 2012.

[3] Tal ascensão do Estado do Bem-Estar Social é relatada, com precisão, por PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile. 7. ed. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2014, p. 23 e ss. Emblemática a respeito da configuração do Estado do Bem-Estar Social é a experiência alemã no período imediatamente posterior às duas Guerras Mundiais, como relatam LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. Allgemeiner Teil des bürgerlichen Rechts. München: C. H. Beck, 1997, p. 36 e ss.

[4] Para um relato sobre o panorama de afirmação da insuficiência da economia do livre comércio para a promoção do bem-estar social e da subsequente defesa de uma maior intervenção do Estado nas relações privadas, v., ainda, OSTI, Giuseppe. Contratto. In: AZARA, Antonio; EULA, Ernesto (Coords.). Novissimo Digesto Italiano. Vol. IV. 3. ed. Torino: UTET, 1959, p. 478 e ss.

[5] Para uma análise acerca do liberalismo político e do liberalismo econômico presentes no pensamento clássico do século XIX, v., respectivamente, PERTICONE, Giacomo. Liberalismo. In: AZARA, Antonio; EULA, Ernesto (Coords.). Novissimo Digesto Italiano. Vol. IX. 3. ed. Torino: UTET, 1963, p. 831 e ss.; e RAISER, Ludwig. Funzione del contratto e libertà contrattuale. In: Il compito del diritto privato: saggi di diritto privato e di diritto dell’economia di tre decenni. Trad. Marta Graziadei. Milano: Giuffrè, 1990, p. 96 e ss.

[6] Ao propósito, v. BODIN DE MORAES, Maria Celina. O princípio da dignidade humana. In: BODIN DE MORAES, Maria Celina (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 12 e ss.

[7] RAISER, Ludwig. La libertà contrattuale oggi. In: Il compito del diritto privato: saggi di diritto privato e di diritto dell’economia di tre decenni. Trad. Marta Graziadei. Milano: Giuffrè, 1990, p. 69. Tradução livre do original: “(…) un sistema del diritto privato caratterizzato dalla tensione tra libertà e giustizia sociale”.

[8] Nesse sentido, sustentar a configuração de um direito contratual atento às exigências do Estado do Bem-Estar Social, v. LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. Allgemeiner Teil des bürgerlichen Rechts, cit., p. 39-41.

[9] Ao propósito da correlação entre a dignidade humana, a justiça social e ordem econômica, v. GRAU, Eros Roberto. Comentário ao artigo 170, caput. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 1.794. Do mesmo autor, v., ainda, sem alteração substancial de conteúdo, GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 224.

[10] “Assim, pela via da constitucionalização, passam a fazer parte do horizonte contratual noções e ideias como justiça social, solidariedade, erradicação da pobreza, proteção ao consumidor, a indicar, enfim, que o direito dos contratos não está à parte do projeto social articulado pela ordem jurídica em vigor no país” (NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 107-108). Assim sustenta Manfred Wolf em lição, que, embora desenvolvida à luz da experiência alemã, parece de todo pertinente para a compreensão do percurso trilhado também pelo direito brasileiro: “O princípio do Estado do Bem-Estar Social exterioriza a exigência da justiça social na ordem social. Ao ordenamento jurídico é atribuída, por meio do art. 20 I e do art. 28 I da Lei Fundamental [Grundgesetz], a tarefa de corresponder a essa exigência. Portanto, também o direito contratual deve satisfazer às exigências do princípio do Estado do Bem-Estar Social” (WOLF, Manfred. Rechtsgeschäftliche Entscheidungsfreiheit und vertraglicher Interessenausgleich. Tübingen: J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1970, p. 97. Tradução livre do original).

[11] “Importantes objeções podem ser levantadas contra esse entendimento: além de uma evidente fratura na unidade do sistema jurídico, que isentaria o Direito dos Contratos da função sistêmica de concretização dos princípios constitucionais nas relações privadas, já se observou, em perspectiva filosófica, que o Direito dos Contratos teria, ao menos, uma vantagem em relação ao Direito Tributário em um eventual papel de redução das desigualdades: ‘(…) se uma restrição redistributiva à liberdade contratual atinge seu propósito pretendido, ela causa uma transferência direta de riqueza de um grupo para outro sem qualquer mediação pelo Estado. Em igualdade de circunstâncias, isto significa uma redução dos custos administrativos’” (SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 18-19).

[12] Trata-se, em realidade, tanto de objetivo da República (art. 3º, III, da CRFB) quanto de princípio da ordem econômica (art. 170, VII – redução das desigualdades regionais e sociais, da CRFB).

[13] Assim leciona LÔBO, Paulo. Contratante vulnerável e autonomia privada. In: NEVES, Thiago Ferreira Cardoso (Coord.). Direito & Justiça Social: por uma sociedade mais justa, livre e solidária – estudos em homenagem ao Professor Sylvio Capanema de Souza. São Paulo: Atlas, 2013, p. 159.

[14] V., por todos, TEPEDINO, Gustavo. Ativismo judicial e construção do direito civil: entre dogmática e práxis. Novos Estudos Jurídicos, vol. 24, n. 1, jan.-abr./2019, p. 28 e ss.

[15] “É necessário, sobretudo, que o juiz e o legislador intervenham nesta luta demasiadamente desigual; que a regra do jogo seja modificada em favor do fraco, da eterna vítima (…). Em uma palavra, é necessário que sejam reprimidos os abusos contratuais e seja assegurado com todos os meios possíveis o equilíbrio contratual, não apenas em teoria e sobre o papel, mas praticamente e na vida” (JOSSERAND, Louis. Considerazioni sul contratto “regolato”. Archivio Giuridico “Filippo Serafini”. Quarta Serie, vol. XXVIII, 1934, p. 16. Tradução livre do original).

[16] Ao propósito, com particular enfoque na análise das convergências entre o dirigismo contratual no direito civil e a racionalidade do direito do trabalho, v. RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Relações privadas, dirigismo contratual e relações trabalhistas: uma proposta de reflexão sobre o papel da(s) liberdade(s) nas interseções entre contrato e direito do trabalho. In: TEPEDINO, Gustavo; MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; FRAZÃO, Ana; DELGADO, Gabriela Neves (Coords.). Diálogos entre o direito do trabalho e o direito civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, passim e, em especial, item 3.

[17] Ao propósito da mudança de paradigma (da teoria contratual clássica ao dirigismo contratual), v., por todos, BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 41 e ss. Em sentido similar, a destacar a mudança de compreensão da justiça contratual (para além da perspectiva meramente procedimental), v. LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. Allgemeiner Teil des bürgerlichen Rechts, cit., p. 28.

[18] A origem da expressão costuma ser atribuída a IRTI, Natalino. L’età della decodificazione. Diritto e Società, n. 4, 1978, passim. O estudo veio a ser republicado em coletânea de estudos do autor que recebeu o mesmo título que o seminal artigo: IRTI, Natalino. L’età della decodificazione. In: L’età della decodificazione. Milano: Giuffrè, 1979.

[19] O escopo predominantemente descritivo veio a ser explicitado pelo próprio Natalino Irti duas décadas após a publicação pioneira de 1978, no âmbito do estudo acrescentado à quarta edição da sua célebre coletânea: “A era da descodificação completou vinte anos em 1998. As páginas do primeiro capítulo foram ditas em 20 de junho de 1978, em uma sala de aula da Universidade de Salamanca. Atendendo ao convite de um colega espanhol, o autor escolheu, como tema do encontro, a relação entre código civil e leis especiais. Ele, por certo, não descobriu o fenômeno; limitou-se a descrevê-lo, a colher as suas características históricas, a dobrá-lo em esquemas de técnica jurídica. (…) A tarefa preliminar daquele ensaio era – como bem notou Uberto Scarpelli – de caráter fenomenológico. Tratava-se, de fato, de observar o movimento das leis especiais e de reuni-lo em torno de uma lógica global” (IRTI, Natalino. “L’età della decodificazione” vent’anni dopo. In: L’età della decodificazione. 4. ed. Milano: Giuffrè, 1999, p. 3. Tradução livre do original). Para uma análise dessa atualização da obra, v. LEONARDO, Rodrigo Xavier. Codificação do Direito Civil no século XXI: de volta para o futuro? (parte 1). Consultor Jurídico, 4/4/2016, passim.

[20] A ilustrar essa indevida associação, veja-se: “Os novos códigos de Direito Civil, nalguma medida, desafiam uma profecia, dita e repetida, ao final do século XX: a profecia de um epílogo da era das codificações. Muitos dos autores (incluindo Ricardo Luiz Lorenzetti), influenciados pelo seminal ensaio de Natalino Irti (L’età della decodificazione, em primeira edição no ano de 1979), passaram a sustentar, em apertadíssima síntese, o esgotamento das codificações diante da pulverização legislativa do Direito Privado em microssistemas, reorganizados ao redor das constituições” (LEONARDO, Rodrigo Xavier. Codificação do Direito Civil no século XXI, cit.).

[21] A ilustrar essa indevida associação, v. TIMM, Luciano Benetti. “Descodificação”, constitucionalização e privatização no direito privado: o Código Civil ainda é útil? RIDB, a. 1, n. 10, 2012, passim.

[22] Veja-se a construção de Natalino Irti acerca da noção de microssistemas autônomos integrantes de um sistema jurídico supostamente policêntrico: “Essa [a lógica do próprio tempo] não permite mais que se coloque o Código Civil no centro do sistema, mas impõe que se assumam, como portadores de princípios autônomos, os diversos núcleos de leis especiais. O fenômeno da lei excepcional, que sinaliza uma derrogação temporária dos princípios codificados, não desapareceu da nossa experiência; e adverte-nos a não perceber, na efêmera digressão do sistema, a semente de um novo direito. Mas muitas vezes – já se advertiu – a lei, nascida como excepcional e provisória, se protrai no tempo e conquista uma insuspeita estabilidade. Em torno dela se colocam outras leis, que completam a sua disciplina e que introduzem, por sua vez, derrogações e exceções: delineia-se, assim, um microssistema, um pequeno mundo de normas, do qual o intérprete pode, então, extrair princípios gerais e no qual pode descobrir uma lógica autônoma” (IRTI, Natalino. L’età della decodificazione. Diritto e Società, cit., p. 635-636. Tradução livre do original). A inadequação do raciocínio reside, em realidade, não na afirmação da perda da centralidade pelo Código Civil, mas sim na afirmação de que o ordenamento jurídico se pautaria por um policentrismo, quando, ao revés, a superioridade hierárquico-normativa da Constituição impõe o reconhecimento do tecido constitucional como o único verdadeiro centro do sistema. Ao propósito, v., por todos, TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, passim e, em especial, p. 11 e ss.

[23] Para um relato dessa mudança de paradigma (da teoria contratual clássica ao dirigismo contratual) durante o século XX, v., por todos, RAISER, Ludwig. La libertà contrattuale oggi, cit., p. 55 e ss.

[24] V., por todos, BODIN DE MORAES, Maria Celina. A causa do contrato. Civilistica.com, a. 2, n. 1, 2013, item 2.

[25] Para o desenvolvimento da crítica à acepção meramente formal da isonomia no bojo da teoria contratual clássica, remete-se a GOUNOT, Emmanuel. Le principe de l’autonomie de la volonté en droit privé: contribution à l’étude critique de l’individualisme juridique. Paris: Arthur Rousseau, 1912, p. 78 e ss.; e KRAMER, Ernst A. Die „Krise“ des liberalen Vertragsdenkens. München: Wilhelm Fink, 1974, p. 21-22.

[26] Para o desenvolvimento da premissa metodológica atinente à historicidade e à relatividade dos conceitos e dos institutos jurídicos, v., por todos, KONDER, Carlos Nelson. Apontamentos iniciais sobre a contingencialidade dos institutos de direito civil. In: MORAES, Carlos Eduardo Guerra de; RIBEIRO, Ricardo Lodi (Coords.). MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz; MEIRELES, Rose Melo Vencelau (Orgs.). Direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, passim; e CALASSO, Francesco. Il negozio giuridico: lezioni di storia del diritto italiano. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1959, p. 9-10 e p. 343-346. No que tange especificamente à historicidade da noção de liberdade contratual, veja-se a lição de Ludwig Raiser: “Reflete-se pouco sobre o significado atual da liberdade contratual e tende-se a considerar a sua função como imutável, fixada uma vez para sempre. Na realidade, ela, como qualquer outra instituição jurídica, tem a sua colocação histórica que se funda sobre determinados pressupostos ideológicos e político-sociais. Não pode, portanto, ser arbitrariamente transposta de um sistema de relações a outro, nem manter-se inalterada com a modificação dos seus pressupostos” (RAISER, Ludwig. La libertà contrattuale oggi, cit., p. 51. Tradução livre do original). No mesmo sentido, v., do mesmo autor, RAISER, Ludwig. Funzione del contratto e libertà contrattuale, cit., p. 97. O estudo fora originariamente publicado em RAISER, Ludwig. Vertragsfunktion und Vertragsfreiheit. In: CAEMMERER, Ernst von; FRIESENHAHN, Ernst; LANGE, Richard (Coords.). Hundert Jahre Deutsches Rechtsleben. Band I. Karlsruhe: Müller, 1960.

[27] Nada obstante a novidade associada aos aludidos princípios contratuais, o cenário contemporâneo não se pauta por uma lógica superação dos antigos pelos novos, mas sim pela coexistência funcionalizada à axiologia constitucional, como esclarece NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato, cit., p. 111.

[28] “O cenário só viria a mudar drasticamente, no Brasil, com a promulgação da Constituição de 1988 que, a um só tempo, representou a fragmentação do modelo contratual clássico, bem como determinou as bases para sua reconstrução em conformidade com a axiologia constitucional, notadamente a partir da incidência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, os quais, em conjunto, promoveram transformação qualitativa no conteúdo da autonomia privada e impuseram a funcionalização do contrato aos valores constitucionais” (MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RITO, Fernanda Paes Leme. Fontes e evolução do princípio do equilíbrio contratual. Pensar, vol. 21, n. 2, mai.-ago./2016, p. 394).

[29] “O contrato, em resumo, está por toda parte, o que deveria reforçar a importância de sua instrumentalização à concretização dos valores fundamentais do ordenamento jurídico. Sendo inegável que a Constituição brasileira consagra os valores da solidariedade social e da igualdade substancial (arts. 3º, I e III, e 5º, caput), não deveria, então, o contrato exercer, de algum modo, o papel de realizador dessa tábua axiológica solidarista e igualitária?” (SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 16). Tal linha de sentido é seguida, entre outros, por ZAGNI, João Pedro Fontes. O princípio do equilíbrio contratual e a cláusula reajuste por faixa etária em contratos de plano de saúde na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. In: TERRA, Aline de Miranda Valverde; KONDER, Carlos Nelson; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz (Coords.). Princípios contratuais aplicados: boa-fé, função social e equilíbrio contratual à luz da jurisprudência. Indaiatuba: Foco, 2019, p. 328. A ilustrar, ainda, a relevância atribuída aos contratos para o propósito de redução das desigualdades sociais e regionais, v. NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato, cit., p. 107; e KONDER, Carlos Nelson; SANTOS, Deborah Pereira Pinto dos. O equilíbrio contratual nas locações em shopping center: controle de cláusulas abusivas e a promessa de loja âncora. Scientia Iuris, vol. 20, n. 3, nov./2016, p. 182.

[30] “Em termos de conteúdo, a justiça social abrangida pelo princípio do Estado do Bem-Estar Social exige que sejam criadas tais condições positivas que possibilitem ao indivíduo uma existência digna na comunidade. O princípio do Estado do Bem-Estar Social está orientado, assim, à concretização de uma igualdade materialmente compreendida” (WOLF, Manfred. Rechtsgeschäftliche Entscheidungsfreiheit und vertraglicher Interessenausgleich, cit., p. 97-98. Tradução livre do original).

[31] “Em sentido lato, portanto, a noção de merecimento de tutela representa justamente o reconhecimento de que a eficácia de certa conduta particular é compatível com o sistema e, por isso, deve ser protegida” (SOUZA, Eduardo Nunes de. Merecimento de tutela: a nova fronteira da legalidade no direito civil. Revista de Direito Privado, vol. 58, abr.-jun./2014, p. 76-77). Para o desenvolvimento da análise acerca do juízo de merecimento de tutela em sentido estrito, v., ainda, SOUZA, Eduardo Nunes de. Merecimento de tutela, cit., item 5.

[32] “Na esteira de tal evolução, a concepção de autonomia, especificamente por força do princípio da dignidade da pessoa humana, como afirma Gustavo Tepedino (2007, p. 309-320), sofreu tríplice transformação em seus aspectos objetivo, subjetivo e formal, sendo certo que ditas alterações refletem a concepção atual de que a autonomia não é um valor em si, o que implica o juízo de merecimento do ato derivado do exercício da liberdade (…). Ao mesmo tempo, impõe a funcionalização dos contratos aos valores constitucionais” (MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RITO, Fernanda Paes Leme. Fontes e evolução do princípio do equilíbrio contratual, cit., p. 394). Os autores prosseguem: “Em apertada síntese, o potencial transformador da Constituição de 1988 encontrou no plano do direito das obrigações e dos contratos terreno fértil para a promoção dos valores humanistas que protagonizam o ordenamento. Por meio da fixação de seus princípios gerais, orientadores de todo o sistema jurídico, a Constituição, a um só tempo, albergou os alicerces da teoria contratual clássica (igualdade e liberdade), mas impôs sua reconstrução. Assim, inverteu a ordem de prevalência dos interesses em jogo (do sujeito de direito à pessoa, do individual ao social), renovando em definitivo a lógica pretensamente abstrata e imutável das bases da teoria obrigacional clássica” (MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RITO, Fernanda Paes Leme. Fontes e evolução do princípio do equilíbrio contratual, cit., p. 394-395).

[33] “O princípio da autonomia privada, longe de ser absoluto, insere-se no tecido axiológico do ordenamento, no âmbito do qual se pode extrair seu verdadeiro significado. Encontra-se informado pelo valor social da livre iniciativa, que se constitui em fundamento da República (art. 1º, IV, C.R.), corroborado por numerosas garantias fundamentais às liberdades, que têm sede constitucional em diversos preceitos, com conteúdo negativo (princípio da legalidade, ex vi do arts. 5º, II, 170, parágrafo único, C.R.) e positivo (arts. 1º, III, 3º, I e III, C.R.)” (TEPEDINO, Gustavo. O papel da vontade na interpretação dos contratos. Revista Interdisciplinar de Direito da Faculdade de Direito de Valença, vol. 16, n. 1, jan.-jun./2018, p. 188).

[34] Assim afirma, entre outros, PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 342.

[35] Assim afirmam, entre outros, MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RITO, Fernanda Paes Leme. Fontes e evolução do princípio do equilíbrio contratual, cit., p. 394.

[36] V., por todos, PERLINGIERI, Pietro. “Controllo” e “conformazione” degli atti di autonomia negoziale. Rassegna di Diritto Civile, n. 1, 2017, passim e, em especial, item 4; e SOUZA, Eduardo Nunes de. Teoria geral das invalidades do negócio jurídico: nulidade e anulabilidade no direito civil contemporâneo. São Paulo: Almedina, 2017, p. 296, nota de rodapé 866.

[37] Ao propósito, v., por todos, TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre a função social dos contratos. In: Temas de direito civil. Tomo III, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 150 e ss.

[38] CANARIS, Claus-Wilhelm. Wandlungen des Schuldvertragsrechts – Tendenzen zu seiner „Materialisierung“. Archiv für die civilistische Praxis, vol. 200, n. 3, 2000, passim. A ilustrar a utilização do termo “Materialisierung” em matéria contratual pela doutrina alemã contemporânea, v., por todos, LÜTTRINGHAUS, Jan D. Vertragsfreiheit und ihre Materialisierung im Europäischen Binnenmarkt: die Verbürgung und Materialisierung unionaler Vertragsfreihet im Zusammenspiel von EU-Privatrecht, BGB und ZPO. Tübingen: Mohr Siebeck, 2018, passim e, em especial, p. 323 e ss.; e WAGNER, Gerhard. Materialisierung des Schuldrechts unter dem Einfluss von Verfassungsrecht und Europarecht – Was bleibt von der Privatautonomie?. In: BLAUROCK, Uwe; HAGER, Günter (Orgs.). Obligationenrecht im 21. Jahrhundert. Baden-Baden: Nomos, 2010, p. 18 e ss.

[39] Claus-Wilhelm Canaris assim resume os três principais sentidos possíveis da materialização no âmbito do direito contratual: “Em primeiro lugar, contudo, é necessário um certo esclarecimento do conceito. Frequentemente, sobretudo na doutrina, quando se fala de uma ‘materialização’, raramente se esclarece o que exatamente se entende por isso. No que diz respeito ao direito contratual, parece-me ser proveitoso o uso dessa palavra sobretudo em três aspectos: pode-se fazer referência à liberdade contratual, à justiça contratual e aos princípios fundamentais político-ideológicos subjacentes ao direito contratual. Para cada uma dessas três perspectivas, que até agora não foram suficientemente diferenciadas na doutrina, ‘materialização’ significa algo diferente” (CANARIS, Claus-Wilhelm. Wandlungen des Schuldvertragsrechts, cit., p. 276-277. Tradução livre do original).

[40] V., por todos, ENDERLEIN, Wolfgang. Rechtspaternalismus und Vertragsrecht. München: C. H. Beck, 1996, p. 78-79.

[41] Assim leciona Claus-Wilhelm Canaris: “A autonomia privada e a liberdade de contrato, contudo, não são garantidas por si mesmas, mas servem principalmente à autodeterminação da pessoa. No campo do direito contratual, isso ocorre, é claro, em primeiro lugar com os meios do direito – nomeadamente com a celebração de contratos –, porém só é implementado de maneira ideal se a formação da vontade das partes estiver não apenas fundamentalmente livre de obstáculos jurídicos, mas também em sentido factual não se sujeitar a qualquer restrição. A resultante diferença entre a liberdade jurídica para a celebração e para a configuração do conteúdo dos contratos, por um lado, e a liberdade de fato para a formação das decisões subjacentes, por outro lado, é não raramente abordada na doutrina com a ajuda do par conceitual formal/material” (CANARIS, Claus-Wilhelm. Wandlungen des Schuldvertragsrechts, cit., p. 277. Tradução livre do original). O autor arremata: “Consequentemente, pode-se compreender a liberdade contratual e, se se preferir, também a autonomia privada tanto em um sentido formal, isto é, jurídico, quanto em um sentido material, isto é, factual” (Ibid., p. 277-278. Tradução livre do original). Um desenvolvimento da análise da liberdade contratual a partir do par conceitual formal/material já podia ser encontrado em ENDERLEIN, Wolfgang. Rechtspaternalismus und Vertragsrecht, cit., p. 78 e ss.; e em KRAMER, Ernst A. Die „Krise“ des liberalen Vertragsdenkens, cit., p. 20.

[42] V., por todos, BYDLINSKI, Franz. System und Prinzipen des Privatrechts. Wien: Springer, 1996. Reimpressão, Wien: Verlag Österreich, 2013, p. 158-159. A partir de semelhante ordem de preocupação, Pietro Rescigno alude à “(…) distinção necessária entre a autonomia explicitada no topo do poder econômico, especialmente pelos grupos organizados, e a autonomia exercida por indivíduos na esfera limitada dos interesses do homem comum com perspectivas, possibilidades e ambições limitadas” (RESCIGNO, Pietro. Contratto: I) In generale. In: PARADISI, Bruno (Coord.). Enciclopedia Giuridica. Vol. XV. Roma: Istituto della Enciclopedia Italiana, [1991], p. 7. Tradução livre do original).

[43] A crítica enfática remonta à lição de Louis Josserand: “A liberdade contratual de outros tempos seria, em muitos casos e para muitos contratantes, a liberdade de morrer de fome ou, no máximo, de ser explorado indignamente e injustamente lesado; seria, como se escreveu, a liberdade na selva” (JOSSERAND, Louis. Considerazioni sul contratto “regolato”, cit., p. 15. Tradução livre do original).

[44] “A liberdade contratual jurídica [formal] e a liberdade contratual de fato estão, uma com a outra, em uma sensível relação de tensão, gerada pelo princípio pacta sunt servanda. Seria incompatível com ele negar o reconhecimento jurídico a um contrato diante de qualquer restrição à efetiva liberdade de decisão” (CANARIS, Claus-Wilhelm. Wandlungen des Schuldvertragsrechts, cit., p. 278. Tradução livre do original).

[45] Assim leciona CANARIS, Claus-Wilhelm. Wandlungen des Schuldvertragsrechts, cit., p. 282.

[46] Nesse sentido, veja-se o relato fornecido por TERRA, Aline de Miranda Valverde; KONDER, Carlos Nelson; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Boa-fé, função social e equilíbrio contratual: reflexões a partir de alguns dados empíricos. In: Princípios contratuais aplicados: boa-fé, função social e equilíbrio contratual à luz da jurisprudência. Indaiatuba: Foco, 2019, p. 15-16.

[47] Em semelhante linha de sentido, Ludwig Raiser sustenta que os “requisitos de justiça substancial do contrato” deveriam “constituir o núcleo central de uma teoria do contrato” (RAISER, Ludwig. Funzione del contratto e libertà contrattuale, cit., p. 98. Tradução livre do original).

[48] Tal conexão foi explicitada por Canaris no âmbito da análise da materialização da justiça contratual: “Com isso se fala de um outro problema central da teoria contratual. Ele reside aproximadamente na diferença fundamental entre um subjetivo e um objetivo princípio do equilíbrio, que não raramente são caracterizados com o par conceitual formal/material. Fala-se normalmente de equilíbrio [ou equivalência] subjetivo ou formal quando o ordenamento jurídico reconhece como contraprestação o que as partes contratantes combinaram como tal; de equilíbrio

[ou equivalência]

objetiva ou material, diversamente, quando, por sua vez, o conteúdo da contraprestação for determinado independentemente da vontade da parte” (CANARIS, Claus-Wilhelm. Wandlungen des Schuldvertragsrechts, cit., p. 283. Tradução livre do original). Ainda a revelar a íntima conexão construída entre as noções de justiça e de equilíbrio, v., na doutrina brasileira, SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 50-51.

[49] “Exatamente por isso a noção de justiça contratual não pode mais ser compreendida como o resultado do somatório da liberdade e da igualdade formais. Se o Direito Civil busca atender ‘a liberdade da pessoa concreta em suas relações intersubjetivas e no livre desenvolvimento de sua personalidade’, deve-se privilegiar a concretização da liberdade efetiva e da igualdade material” (MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RITO, Fernanda Paes Leme. Fontes e evolução do princípio do equilíbrio contratual, cit., p. 401). Para um desenvolvimento da noção de liberdade substancial e da sua relevância para a teoria contratual contemporânea, remete-se a RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Institutos fundamentais do direito civil e liberdade(s): repensando a dimensão funcional do contrato, da propriedade e da família. Rio de Janeiro: GZ, 2011, passim e, em especial, p. 269 e ss.; e, do mesmo autor, em obra mais recente, RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Relações privadas, dirigismo contratual e relações trabalhistas, cit., p. 103 e ss. Para um desenvolvimento da análise acerca das perspectivas de atuação do princípio da igualdade no direito privado, com a defesa do reconhecimento de um conteúdo substancial ao princípio (ora associado à vedação a diferenciações arbitrárias), v. RAISER, Ludwig. Il principio d’eguaglianza nel diritto privato. In: Il compito del diritto privato: saggi di diritto privato e di diritto dell’economia di tre decenni. Trad. Marta Graziadei. Milano: Giuffrè, 1990, passim.

[50] Ao propósito, v. MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RITO, Fernanda Paes Leme. Fontes e evolução do princípio do equilíbrio contratual, cit., p. 393.

[51] “De fato, se, no apogeu do liberalismo, como expressão da liberdade e da igualdade formal das partes, o contrato viabilizava o capitalismo que florescia, na sociedade contemporânea, funcionalizado à realização dos valores constitucionais, o contrato deve ser um instrumento de promoção da igualdade substancial entre os contratantes, traduzida nas noções de justiça e de equilíbrio” (SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. O desequilíbrio da relação obrigacional e a revisão dos contratos no Código de Defesa do Consumidor: para um cotejo com o Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 307).

[52] Para um relato da mudança de paradigma em matéria de equilíbrio contratual – de uma noção puramente formal a uma noção substancial –, v. OSTI, Giuseppe. Contratto, cit., p. 478.

[53] “De acordo com este princípio, a justiça contratual torna-se um dado relativo não somente ao processo de formação e manifestação da vontade dos declarantes, mas sobretudo relativo ao conteúdo e aos efeitos do contrato, que devem resguardar um patamar mínimo de equilíbrio entre as posições econômicas de ambos os contratantes” (NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato, cit., p. 157). Em sentido similar, afirma-se: “Consequentemente, a noção de justiça contratual é reformulada por força do solidarismo constitucional, de sorte que já não satisfaz a ideia de justiça contratual formal, baseada na noção de que o contrato pressuporia equivalência entre as prestações, visto ter sido celebrado por pessoas livres e iguais” (MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RITO, Fernanda Paes Leme. Fontes e evolução do princípio do equilíbrio contratual, cit., p. 401). Semelhante crítica é formulada, ainda, por LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. Allgemeiner Teil des bürgerlichen Rechts, cit., p. 28.

[54] À luz do paradigma contratual clássico, a legitimidade do contrato decorreria direta e exclusivamente da higidez da vontade negocial de cada um dos contratantes. Não incumbiria ao intérprete, assim, imiscuir-se no conteúdo do contrato com base em parâmetros valorativos externos à vontade das partes. A preocupação do civilista haveria de se resumir à proteção da autonomia da vontade, a fim de assegurar que as declarações negociais tivessem nascido da vontade livre e genuína do indivíduo. Pertinente, ao propósito, o relato de GOUNOT, Emmanuel. Le principe de l’autonomie de la volonté en droit privé, cit., p. 75.

[55] “Ocorre que, se o contrato revela manifestação clara de autonomia das partes, necessariamente tem que existir espaço para avaliação de conformidade do seu conteúdo, não apenas em relação à vontade das partes, mas com respeito ao ordenamento, os seus valores e princípios informadores” (MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RITO, Fernanda Paes Leme. Fontes e evolução do princípio do equilíbrio contratual, cit., p. 400-401). Os autores prosseguem: “O conteúdo da justiça contratual deve ser buscado, assim, dentro do exato contexto histórico-social no qual o negócio, que se pretende justo, se manifesta” (Ibid., p. 401).

[56] “O equilíbrio contratual fundamenta-se nas normas constitucionais da isonomia substancial e da solidariedade social e, diante disso, sua incidência não pode restar limitada a esferas específicas, como contratos usurários, contratos de trabalho ou mesmo contratos de consumo. Todo e qualquer contrato deve ser equilibrado. O que pode mudar é o significado normativo desse equilíbrio, já que, como observado, a sua aplicação pressupõe o diálogo interpretativo com as circunstâncias concretas da contratação” (KONDER, Carlos Nelson; SANTOS, Deborah Pereira Pinto dos. O equilíbrio contratual nas locações em shopping center, cit., p. 182). Em sentido similar, v. MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RITO, Fernanda Paes Leme. Fontes e evolução do princípio do equilíbrio contratual, cit., p. 391.

[57] Afigura-se digna de nota a circunstância de a doutrina empenhada na busca pela objetivação do equilíbrio contratual ter ressalvado da sua análise os contratos gratuitos: “Vamos nos concentrar nos contratos mais importantes economicamente, com os quais se regula a troca de prestações, ou seja, as prestações a título oneroso de bens ou de serviços. A verdadeira e própria gratuidade não faz parte da vida econômica e não pode ser avaliada com base no critério de justiça” (RAISER, Ludwig. Funzione del contratto e libertà contrattuale, cit., p. 98. Tradução livre do original).

[58] “Nesse sentido, embora se reconheça que o consenso informado seja instrumento de realização do equilíbrio, a constituir ‘valor meio’ e não ‘valor fim’, passa-se a sustentar que a aferição do equilíbrio deve se desprender da origem voluntarista do negócio, de modo que a justiça do contrato emane não do acordo de vontades que lhe dá origem, mas do merecimento de tutela do concreto regulamento” (TERRA, Aline de Miranda Valverde; KONDER, Carlos Nelson; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Boa-fé, função social e equilíbrio contratual, cit., p. 16).

[59] Eis a lição de Anderson Schreiber: “Uma ordem jurídica comprometida com uma autonomia privada que não seja um valor em si mesma, mas seja tutelada apenas na medida em que sirva de instrumento à realização dos valores fundamentais do ordenamento jurídico – que protege, ao lado da liberdade, a igualdade substancial e a solidariedade social, entre outros valores –, não pode se contentar com a mera ausência de vício ou falha da vontade. Tal ausência por si só não torna merecedor de tutela o concreto exercício de autonomia privada, tanto mais se resulta em um contrato objetivamente desequilibrado. Há que se perquirir a razão material que torna aquele contrato, ainda assim, merecedor de proteção à luz do ordenamento jurídico (e.g., prática legítima de uma liberalidade, assunção legítima de risco)” (SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 64).

[60] “Em contraste com o que se passava no direito contratual clássico, no qual se sobressaía a fase de formação e manifestação de vontade de contratar, o princípio do equilíbrio econômico incide sobre o programa previsto pelas partes. Dessa forma, ele serve como parâmetro para o controle de merecimento de tutela do conteúdo contratual e deve ser ponderado, com paridade de forças, com os princípios da autonomia privada e da intangibilidade do conteúdo do contrato” (KONDER, Carlos Nelson; SANTOS, Deborah Pereira Pinto dos. O equilíbrio contratual nas locações em shopping center, cit., p. 195).

[61] A ilustrar o entendimento apontado, veja-se: “Em sintonia com os demais princípios, o equilíbrio contratual ganha força com a Constituição de 1988, que passa a impor ampla proteção à dignidade da pessoa humana e à solidariedade social. O equilíbrio abandona aí sua faceta formal e renasce fundado na equivalência substancial (ou material)” (GUERCHON, Dan. Independência dos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual e as dificuldades enfrentadas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. In: TERRA, Aline de Miranda Valverde; KONDER, Carlos Nelson; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz (Coords.). Princípios contratuais aplicados: boa-fé, função social e equilíbrio contratual à luz da jurisprudência. Indaiatuba: Foco, 2019, p. 294).

[62] A afirmação do caráter objetivo do equilíbrio contratual se encontra, por exemplo, em OLIVA, Milena Donato. Equilíbrio contratual e cláusulas abusivas. In: TEPEDINO, Gustavo; FRAZÃO, Ana (Coords.). O Superior Tribunal de Justiça e a reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 626.

[63] Anderson Schreiber alude ao que considera o núcleo essencial do conceito do princípio do equilíbrio contratual: “(…) evitar que qualquer contratante venha a sofrer sacrifício econômico desproporcional em decorrência do cumprimento das obrigações que compõem o objeto do seu contrato. Não se trata, dessa forma, de exigir uma igualdade absoluta entre prestações ou mesmo de exigir uma rigorosa equivalência objetiva entre direitos e obrigações atribuídos pelo contrato a cada uma das partes. Tamanha exigência não apenas representaria uma limitação excessiva à livre iniciativa em uma economia de mercado, caracterizado pela flutuação de preços e valores segundo ‘leis’ de oferta e procura, mas comprometeria também a própria utilidade do contrato como instituto jurídico, na medida em que, a qualquer mínimo desvio de uma equivalência rigorosa, a relação contratual, dirigida à concretização do objetivo comum dos contratantes, haveria de ser interrompida ‘a causa della necessità di procedere a continui addattamenti del regolamento contrattuale’” (SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 58). Em sentido semelhante, Larenz identifica uma função negativa do Äquivalenzprinzip consistente na “(…) exclusão da validade em razão de uma flagrante falta de equivalência” (LARENZ, Karl. Richtiges Recht: Grundzüge einer Rechtsethik. München: C. H. Beck, 1979, p. 72. Tradução livre do original).

[64] Em defesa de uma análise global do equilíbrio contratual, v. MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RITO, Fernanda Paes Leme. Fontes e evolução do princípio do equilíbrio contratual, cit., p. 403. No mesmo sentido, a sustentar a necessidade de investigação do equilíbrio com base no inteiro regulamento contratual (e não apenas nas prestações principais), v. CANARIS, Claus-Wilhelm. Wandlungen des Schuldvertragsrechts, cit., p. 285. Em sentido semelhante, destacando, ainda, a necessidade de consideração da distribuição de riscos avençada pelas partes, v. LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. Allgemeiner Teil des bürgerlichen Rechts, cit., p. 29.

[65] Registre-se, por oportuno, que o acerto da crítica às referidas denominações não há de levar necessariamente ao acerto ou à utilidade do emprego corrente da expressão princípio do equilíbrio contratual, como se busca desenvolver (conquanto sem caráter exaustivo) na sequência deste estudo.

[66] Pertinente, neste ponto, o relato de Anderson Schreiber sobre a pluralidade de denominações na matéria: “Chega-se, por fim, ao chamado princípio do equilíbrio contratual. Aqui, a situação parece ainda mais desafiadora, a começar pela nomenclatura: não faltam propostas alternativas de denominação. Alude-se, nesse sentido, a princípio do equilíbrio das prestações, princípio da equivalência material dos contratos, princípio do equilíbrio econômico do contrato, princípio do equilíbrio econômico-financeiro, princípio da igualdade material contratual, princípio da justiça contratual, entre outras designações. A esse grande mosaico terminológico corresponde uma produção doutrinária e uma aplicação jurisprudencial absolutamente tímidas, quando se observa o tema sob a ótica de um autêntico princípio” (SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 32. Grifos do original).

[67] Para um desenvolvimento da crítica, v., por todos, SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 58.

[68] SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 58. No mesmo sentido, v. SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. O desequilíbrio da relação obrigacional e a revisão dos contratos no Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 314; SALGADO, Bernardo. Atraso na entrega de imóveis e o “congelamento do saldo devedor”: ampliando as fronteiras de um debate frequente na rotina dos tribunais. In: TERRA, Aline de Miranda Valverde; KONDER, Carlos Nelson; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz (Coords.). Princípios contratuais aplicados: boa-fé, função social e equilíbrio contratual à luz da jurisprudência. Indaiatuba: Foco, 2019, p. 278-279; ZAGNI, João Pedro Fontes. O princípio do equilíbrio contratual e a cláusula reajuste por faixa etária em contratos de plano de saúde na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cit., p. 329; e WILLCOX, Victor. O princípio do equilíbrio contratual e a alocação de riscos pelas partes nas relações paritárias. In: TERRA, Aline de Miranda Valverde; KONDER, Carlos Nelson; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz (Coords.). Princípios contratuais aplicados: boa-fé, função social e equilíbrio contratual à luz da jurisprudência. Indaiatuba: Foco, 2019, p. 382-383. O imperativo de se rejeitarem desproporções manifestas e injustificadas (embora associado no princípio da proporcionalidade, e não do equilíbrio) remonta à lição de Pietro Perlingieri: “No que se refere à relação entre direitos e obrigações, o princípio da proporcionalidade vigora no sentido não de impor uma equivalência das prestações, mas de proibir uma desproporção macroscópica e injustificada entre eles. O princípio termina valendo para evitar eventuais desproporções excessivas” (PERLINGIERI, Pietro. Equilibrio normativo e principio di proporzionalità nei contratti. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, vol. 12, out.-dez./2002, p. 143-144. Tradução livre do original).

[69] Assim leciona Anderson Schreiber: “O princípio do equilíbrio contratual, como aqui apresentado, resume-se, assim, a veicular um controle de proporcionalidade de caráter interno e objetivo (econômico) do contrato. Não é por outra razão que a melhor doutrina estrangeira, por vezes, associa o equilíbrio contratual ao princípio da proporcionalidade” (SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 59). A ressaltar a relevância da proporcionalidade para a definição do conteúdo do princípio do equilíbrio contratual, v., ainda, MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RITO, Fernanda Paes Leme. Fontes e evolução do princípio do equilíbrio contratual, cit., p. 407. Uma correlação entre equilíbrio contratual e busca por “proporcionalidade nas relações contratuais” é formulada, ainda, por OLIVA, Milena Donato. Equilíbrio contratual e cláusulas abusivas, cit., p. 627.

[70] Aflora, no âmbito dessa formulação, a relevância do valor de mercado como critério para a definição do equilíbrio contratual. Ao propósito, v., por todos, SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 227.

[71] A necessidade de um controle eminentemente quantitativo do conteúdo contratual – embora pautado no próprio princípio da proporcionalidade, e não no princípio do equilíbrio contratual – é sustentada, entre outros, por Pietro Perlingieri: “Certamente não faltam campos nos quais a fixação da medida da troca não é deixada à livre determinação das partes, devendo-se adaptar a critérios pré-estabelecidos pela lei, entre os quais, por exemplo, o próprio princípio da proporcionalidade” (PERLINGIERI, Pietro. Equilibrio normativo e principio di proporzionalità nei contratti, cit., p. 134-135. Tradução livre do original). Em sentido semelhante, v. MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RITO, Fernanda Paes Leme. Fontes e evolução do princípio do equilíbrio contratual, cit., p. 402 e ss.

[72] “O princípio do equilíbrio econômico remete à concepção aristotélica de justiça, sintetizada na ideia de ‘meio termo’. Nesse sentido, podemos dizer que o princípio do equilíbrio econômico do contrato seria, no âmbito específico da teoria contratual, corolário não só do princípio da igualdade substancial, mas, também de um princípio mais geral que é o princípio da proporcionalidade” (SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. O desequilíbrio da relação obrigacional e a revisão dos contratos no Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 313).

[73] A ilustrar a invocação do equilíbrio contratual como noção heterorreferenciada, v., na doutrina italiana, VETTORI, Giuseppe. Autonomia privata e contratto giusto. Rivista di Diritto Privato, a. V, n. 1, gen.mar./ 2000, passim e, em especial, p. 37 e ss.

[74] A ideia de um equilíbrio heterônomo aparece também na lição de Mario Barcellona, para quem uma das questões centrais no tema do equilíbrio contratual consiste em definir “(…) se e em que termos se haja princípios e/ou regras que imponham que um contrato responda a um equilíbrio heterônomo, ou seja, diverso daquele alcançado pelas partes através das tratativas e determinado, ao invés, por uma medida objetiva atingível a priori” (BARCELLONA, Mario. Equilibrio contrattuale e abuso del diritto. In: MAZZAMUTO, Salvatore (Coord.). Le tutele contrattuali e il diritto europeo. Scritti per Adolfo di Majo. Napoli: Jovene, 2012, p. 487. Tradução livre do original).

[75] “Não se trata tampouco de reequilibrar posições subjetivas dos contratantes, concedendo-se ao intérprete discricionariedade para majorar ou reduzir vantagens asseguradas no contrato com o escopo de compensar situações de desvantagem em que as partes possam se inserir, por características próprias que trazem consigo, como suas inaptidões pessoais ou vulnerabilidades. Assim, se o contratante é ou não ‘consumidor’, é ou não pessoa ‘superendividada’, é ou não pessoa ‘idosa’, é ou não pessoa economicamente ‘mais fraca’ que a contraparte são todas questões que, sem nenhum prejuízo da sua importância, devem ser tratadas por instrumentos próprios – legalmente previstos ou extraídos por interpretação das normas de tutela das vulnerabilidades. Não configuram objeto do princípio do equilíbrio contratual, tal como aqui contemplado” (SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 52).

[76] Semelhante ordem de preocupação – embora a partir análise do princípio da proporcionalidade, e não do princípio do equilíbrio contratual – é assumida por PERLINGIERI, Pietro. Equilibrio normativo e principio di proporzionalità nei contratti, cit., p. 145.

[77] Ao propósito, v. SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 33-34.

[78] Para o desenvolvimento da análise das vicissitudes supervenientes do contrato, com particular enfoque nas perspectivas de aplicação contemporânea da função negocial na matéria, remete-se a SOUZA, Eduardo Nunes de. De volta à causa contratual: aplicações da função negocial nas invalidades e nas vicissitudes supervenientes do contrato. Civilistica.com, a. 8, n. 2, 2019, passim e, em especial, item 3.

[79] Não se desconhece a controvérsia instaurada em doutrina a propósito do escopo da interpretação a ser conferida ao art. 317 do Código Civil. A ilustrar a defesa e a crítica à interpretação que conjuga o referido dispositivo legal ao art. 478 do Código Civil para reconhecer a prerrogativa de qualquer das partes de postular a revisão do contrato diante de excessiva onerosidade, v., por todos, respectivamente, SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 253 e ss.; e MARINO, Francisco Paulo De Crescenzo. Revisão contratual: onerosidade excessiva e modificação contratual equitativa. São Paulo: Almedina, 2020, p. 24 e ss.

[80] A respeito da correlação do art. 413 do Código Civil com o princípio do equilíbrio contratual, v. MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RITO, Fernanda Paes Leme. Fontes e evolução do princípio do equilíbrio contratual, cit., p. 402-403.

[81] A distinção entre desequilíbrio originário e desequilíbrio superveniente é sintetizada por Anderson Schreiber: “Originário é o desequilíbrio contratual já existente no momento de formação do contrato. Superveniente é o desequilíbrio contratual surgido a posteriori, após a formação do contrato” (SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 57). O autor prossegue: “O desequilíbrio contratual originário ou genético é aquele que se verifica já ao tempo da formação do contrato. Não advém, portanto, de qualquer modificação – imprevisível ou não – das circunstâncias nas quais o contrato fora celebrado. O contrato já nasce em estado de desequilíbrio. Trata-se aqui do que se tem chamado de ‘contratos leoninos’, ‘contratos injustos’, ‘contratti iniqui’, e assim por diante” (Ibid., p. 73).

[82] Nesse sentido, veja-se a crítica de Anderson Schreiber ao que considera um excessivo subjetivismo na disciplina da lesão: “O ‘abuso’ da ‘necessidade’ ou ‘inexperiência’ do contratante lesado acabaria, assim, por assumir preponderância em relação ao próprio desequilíbrio objetivo das prestações” (SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 81).

[83] Veja-se a crítica de Anderson Schreiber: “A primeira dificuldade que daí deriva reside no fato de que os enunciados das referidas normas regulamentares, ao indicar os requisitos necessários para sua incidência, não se limitavam a exigir uma objetiva desproporção no contrato. Em todos aqueles artigos, nossa codificação civil apegou-se em alguma medida à ideologia do liberal-voluntarismo, acostando ao desequilíbrio objetivo outros requisitos, de caráter subjetivo, ligados ao estado psicológico e anímico das partes no momento da contratação” (SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 35). Em semelhante linha de sentido, v. TERRA, Aline de Miranda Valverde; KONDER, Carlos Nelson; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Boa-fé, função social e equilíbrio contratual, cit., p. 16; KONDER, Carlos Nelson; SANTOS, Deborah Pereira Pinto dos. O equilíbrio contratual nas locações em shopping center, cit., p. 180; e GUERCHON, Dan. Independência dos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual e as dificuldades enfrentadas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cit., p. 295.

[84] A dificuldade de definição do (suposto) justo preço é bem retratada por Karl Larenz: “Mas existe, afinal, uma possibilidade de constatar se duas prestações objetivamente aproximadas uma da outra têm ou não o mesmo valor? A pergunta sobre qual é o justo preço e a justa remuneração foi uma das perguntas fundamentais do Direito Natural. Ela ocupou não apenas juristas e filósofos, mas também economistas” (LARENZ, Karl. Richtiges Recht, cit., p. 70. Tradução livre do original).

[85] Assim esclarece Caio Mário da Silva Pereira ao tratar do contrato de compra e venda, em lição passível de ampliação para além dessa espécie contratual: “O preço tem de ser sério, traduzindo a intenção efetiva e real de constituir uma contraprestação da obrigação do vendedor. (…) Mas não se requer seja ele justo. O problema do justo preço, que ocupou ativamente os juristas medievais, não atormenta os modernos, convencidos de que não há estimativa precisa e rigorosa para cada coisa. Salvo nos casos em que o atentado à comutatividade é punido especialmente (rescisão por lesão subjetiva, nos termos do art. 157 do Código Civil), não se pode negar efeito ao contrato, ainda que falte perfeita correspectividade entre um e outro” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Volume III: Contratos. 16. ed. Atual. Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 154).

[86] Ao propósito, v. TEPEDINO, Gustavo; CAVALCANTI, Laís. Notas sobre as alterações promovidas pela lei nº 13.874/2019 nos artigos 50, 113 e 421 do Código Civil. In: SALOMÃO, Luis Felipe; CUEVA, Ricardo Villas Bôas; FRAZÃO, Ana (Coords.). Lei de Liberdade Econômica e seus impactos no direito brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 506.

[87] Em crítica à proposição de redistribuição de riquezas pela via do direito contratual, afirma Pietro Perlingieri: “A contribuição fiscal é, portanto, instrumento de justiça social e de promoção civil; a atuação efetiva do art. 53 Const. [Constituição italiana] é pressuposto indispensável para a realização dos valores constitucionais, principalmente da justiça social e de um sistema eficiente de segurança social. Consistiria numa distorção do sistema pretender atribuir a função reequilibradora típica da justiça social, realizável mediante a contribuição fiscal, a intervenções ocasionais em esporádicas e individuais relações entre cidadãos e entre o mesmo cidadão e o Estado quando age iure privatorum” (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 48-49). O autor prossegue “Uma justiça distributiva não pode ser atuada mediante técnicas tradicionalmente privatísticas; estas, sendo conformes aos princípios fundamentais do ordenamento, devem estar prontas a sofrer um uso funcionalizado, mas sempre harmônico com o sistema, sem que lhes seja atribuído um uso distorcido para suprir as carências do aparato público e burocrático” (Ibid., p. 52). Também nessa linha crítica, v. NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato, cit., p. 156.

[88] Para o desenvolvimento da análise acerca da relevância da noção de polos prestacionais no âmbito da dogmática contratual, seja consentido remeter a SILVA, Rodrigo da Guia. Novas perspectivas da exceção de contrato não cumprido: repercussões da boa-fé objetiva sobre o sinalagma contratual. Revista de Direito Privado, vol. 78, jun./2017, item 4.

[89] A menção às pessoas, longe de casual, pretende evidenciar a adoção da premissa metodológica atinente ao giro conceitual do sujeito à pessoa, com o que se pretende destacar a necessidade de consideração e de proteção da pessoa humana em suas concretas relações, rejeitando-se o excessivo formalismo que inspirou a consideração do sujeito de direito no modelo clássico. Imperiosa, ao propósito, a remissão a RODOTÀ, Stefano. Dal soggetto alla persona.

[s.l.]

: Editoriale Scientifica, 2007, passim. V., ainda, na doutrina brasileira, TEPEDINO, Gustavo. O papel atual da doutrina do direito civil entre o sujeito e a pessoa. In: TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; ALMEIDA, Vitor (Coords.). O direito civil entre o sujeito e a pesssoa: estudos em homenagem ao Professor Stefano Rodotà. Belo Horizonte: Fórum, 2016,passim.

[90] Assim conclui Teresa Negreiros ao analisar a disciplina da lesão: “Especificamente, interessa-nos olhar mais de perto o princípio que inspira a lesão, qual seja, o princípio do equilíbrio econômico e, em particular, seu mais imediato corolário: a proteção ao contratante débil” (NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato, cit., p. 190). Em sentido semelhante, a correlacionar a disciplina da lesão à proteção do agente em situação de inferioridade negocial, v. KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e vulnerabilidade existencial: por um sistema diferenciador. Revista de Direito do Consumidor, vol. 99, mai.-jun./2015, item 3.

[91] A desvantagem exagerada é aludida pelo art. 51, IV, do CDC, in verbis: “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (…)”. O § 1º do mesmo art. 51, por sua vez, chega a falar em equilíbrio contratual ao estabelecer presunções de vantagem exagerada: “§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso” (grifou-se).

[92] Em semelhante linha de sentido, afirma-se: “Inspirado, assim, na igualdade substancial, o princípio do equilíbrio econômico expressa a preocupação da nova teoria contratual com o contratante mais fraco, sendo certo que, diante do constatado desequilíbrio entre consumidores e fornecedores no mercado de consumo, a Lei nº 8.078/90 alçou a vulnerabilidade do consumidor à categoria de princípio do estatuto consumerista, na forma de seu artigo 4º” (SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. O desequilíbrio da relação obrigacional e a revisão dos contratos no Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 314).

[93] Não por acaso, a doutrina especializada afirma contundentemente: “A existência do direito do consumidor justifica-se pelo reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor. É esta vulnerabilidade que determina ao direito que se ocupe da proteção do consumidor” (MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 128).

[94] Imperioso rememorar, a esse respeito, a menção do Código de Defesa do Consumidor à vulnerabilidade do consumidor no bojo da enunciação dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo: “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (…)” (grifou-se).

[95] “(…) os finalistas evoluíram para uma posição mais branda, se bem que sempre teleológica, aceitando a possibilidade de o Judiciário, reconhecendo a vulnerabilidade de uma pequena empresa ou profissional, que adquiriu, por exemplo, um produto fora de seu campo de especialidade, interpretar o art. 2º

[do CDC]

de acordo com o fim da norma, isto é, proteção ao mais fraco na relação de consumo, e conceder a aplicação das normas especiais do CDC, analogicamente, também a estes profissionais” (MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 116). A ilustrar o acolhimento desse raciocínio pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, veja-se: “A pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora (art. 29 do CDC), por ostentar, frente ao fornecedor, alguma vulnerabilidade que, frise-se, é o princípio-motor da política nacional das relações de consumo (art. 4º, I, do CDC). Aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, processo denominando pela doutrina como finalismo aprofundado” (STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 735.249/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julg. 15/12/2015). V., ainda, STJ, 3ª T., AgInt no REsp 1.805.350/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julg. 14/10/2019; STJ, 4ª T., AgInt no AREsp 383.168/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julg. 24/9/2019; e STJ, 4a T., AgInt nos EDcl no AREsp 1.137.152/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julg. 2/4/2019.

[96] “Se analisamos o Código de Defesa do Consumidor como sistema, como contexto construído, codificado, organizado de identificação do sujeito beneficiado, veremos que o Código de Defesa do Consumidor brasileiro não é um Código de ‘consumo’, como a consolidação legal francesa, nem é uma lei geral, que contém dentro de si normas especiais protetivas para a proteção dos mais fracos ou consumidores como o BGB Reformado. O Código de Defesa do Consumidor brasileiro concentra-se no sujeito de direitos (e não em atos de consumo), visa proteger este sujeito identificado constitucionalmente como vulnerável e especial, sistematiza suas normas a partir desta idéia básica de proteção de apenas um sujeito ‘diferente’ da sociedade de consumo: o consumidor” (MARQUES, Claudia Lima. Superação das antinomias pelo diálogo das fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. Revista de Direito do Consumidor, vol. 51, jul.-set./2004, item 3.1).

[97] KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e vulnerabilidade existencial, cit., item 1.

[98] “No ‘mundo social’, impera a diferença entre aqueles que são ontologicamente iguais. Todos os humanos são, por natureza, vulneráveis, visto que todos os seres humanos são passíveis de serem feridos, atingidos em seu complexo psicofísico. Mas nem todos serão atingidos do mesmo modo, ainda que se encontrem em situações idênticas, em razão de circunstâncias pessoais, que agravam o estado de suscetibilidade que lhes é inerente. Embora em princípio iguais, os humanos se revelam diferentes no que respeita à vulnerabilidade. É preciso, portanto, indagar quais os significados da vulnerabilidade, e quais as circunstâncias que podem agravá-la” (BARBOZA, Heloisa Helena. Vulnerabilidade e cuidado: aspectos jurídicos. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de (Coords.). Cuidado e vulnerabilidade. São Paulo: Atlas, 2009, p. 107). A autora prossegue “Na verdade, o conceito de vulnerabilidade (…) refere-se a qualquer ser vivo, sem distinção, que pode, eventualmente, ser ‘vulnerado’ em situações contingenciais. Trata-se, portanto, de característica ontológica de todos os seres vivos. Determinados seres vivos são circunstancialmente afetados, fragilizados, desamparados ou vulnerados” (Ibid., p. 110).

[99] A elucidar a correlação entre tutela das vulnerabilidades e isonomia substancial, v. KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e vulnerabilidade existencial, cit., item 2; e BARBOZA, Heloisa Helena. Vulnerabilidade e cuidado, cit., p. 108.

[100] “Ao propósito, v. LÔBO, Paulo. Contratante vulnerável e autonomia privada, cit., p. 159.

[101] A correlacionar o ideal de proteção da parte mais fraca da relação com a passagem histórica do Estado Liberal clássico para o Estado do Bem-Estar Social, v. KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e vulnerabilidade existencial, cit., item 3. Também a ilustrar que a passagem do Estado liberal clássico para o Estado do Bem-Estar Social se acompanhou de uma preocupação com a proteção da parte mais fraca da relação, v. RAISER, Ludwig. La libertà contrattuale oggi, cit., p. 57.

[102] Ao propósito, v. FACHIN, Luiz Edson; GONÇALVES, Marcos Alberto Rocha. Normas trabalhistas na legalidade constitucional: princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da isonomia substancial. In: TEPEDINO, Gustavo et alii (Coords.). Diálogos entre o direito do trabalho e o direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 33.

[103] Nesse sentido, em passagem que, embora situada no âmbito da investigação da vulnerabilidade do consumidor, parece passível de extensão à generalidade das relações contratuais, v. CALIXTO, Marcelo Junqueira. O princípio da vulnerabilidade do consumidor. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 317.

[104] No que tange à associação entre vulnerabilidade e assimetria de informações, v., entre outros, SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. Livre-arbítrio e responsabilidade civil: da vulnerabilidade do consumidor às estratégias da indústria tabagista. In: ROSENVALD, Nelson; DRESCH, Rafael de Freitas Valle; WESENDONCK, Tula (Coords.). Responsabilidade civil: novos riscos. Indaiatuba: Foco, 2019, p. 244 e ss. Para um desenvolvimento dos impactos da assimetria informacional sobre a configuração da teoria contratual, v. FRAZÃO, Ana. Liberdade de contratar e alocação de riscos. Jota, 10/6/2020, passim.

[105] No que tange à possível correlação entre vulnerabilidade e ausência de poder de barganha, v., por todos, KONDER, Carlos Nelson; SANTOS, Deborah Pereira Pinto dos. O equilíbrio contratual nas locações em shopping center, cit., p. 179; e LÔBO, Paulo. Contratante vulnerável e autonomia privada, cit., p. 160. Para uma análise da situação especificamente no âmbito dos contratos de adesão, v., por todos, COLIN, Ambroise; CAPITANT, Henri. Cours élémentaire de droit civil français. Tome Deuxième. 4. éd. Paris: Dalloz, 1924, p. 257 e ss.

[106] A identificar o poder econômico como uma das imperfeições do liberalismo clássico constatadas na passagem do século XIX para o século XX, v. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, cit., p. 21. Em sentido similar, a apontar as mazelas do que denomina “abuso da liberdade implementado mediante o poder econômico”, v. RAISER, Ludwig. La libertà contrattuale oggi, cit., p. 63 e ss. Tradução livre do original.

[107] Para uma análise da tendência de regulação destinada a coibir o abuso da dependência econômica, v. KONDER, Carlos Nelson; SANTOS, Deborah Pereira Pinto dos. O equilíbrio contratual nas locações em shopping center, cit., p. 183. A possível correlação entre vulnerabilidade e dependência econômica se colhe também da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “A despeito da identificação in abstrato dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora” (STJ, 3ª T., REsp 1.195.642/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 13/11/2012. Grifou-se).

[108] No que tange à proeminência do direito do trabalho como modelo de proteção a uma parte mais fraca na relação, em concretização do imperativo constitucional de isonomia substancial, v. RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Relações privadas, dirigismo contratual e relações trabalhistas, cit., p. 100-101.

[109] Ao propósito, v., por todos, BESSONE, Darcy. Do contrato, cit., p. 42.

[110] A diferenciar as noções de vulnerabilidade e de hipossuficiência (sobretudo, a econômica), veja-se a lição de Paulo Lôbo: “A vulnerabilidade, sob o ponto de vista jurídico, é o reconhecimento pelo direito de que determinadas posições contratuais, nas quais se inserem as pessoas, são merecedoras de proteção. Não se confunde com a hipossuficiência, que é conceito eminentemente econômico ou conceito jurídico fundado na insuficiência das condições econômicas pessoais. De maneira geral, os juridicamente vulneráveis são hipossuficientes, mas nem sempre essa relação existe. A vulnerabilidade jurídica pode radicar na desigualdade do domínio das informações, para que o interessado em algum bem ou serviço possa exercer sua escolha, como ocorre com o consumidor; pode estar fundada na impossibilidade de exercer escolhas negociais, como ocorre com o aderente em contrato de adesão a condições gerais” (LÔBO, Paulo. Contratante vulnerável e autonomia privada, cit., p. 162). Para um desenvolvimento do esforço de identificação das convergências e divergências entre os conceitos de vulnerabilidade e de hipossuficiência, remete-se, ainda, a CALIXTO, Marcelo Junqueira. O princípio da vulnerabilidade do consumidor, cit., p. 325 e ss.

[111] A advertência remonta à lição de Gustavo Tepedino: “O respeito às alocações de riscos nas relações patrimoniais privadas mostra-se imperativo, enaltecendo-se assim sua distinção em face da tutela a ser conferida às relações existenciais e à redução das vulnerabilidades. Neste caso, a promoção da pessoa humana, da sua dignidade e da solidariedade social justificam a maior interferência do Judiciário e a preocupação do intérprete para a equalização das relações jurídicas. Essa diferenciação afigura-se indispensável para que se evite a banalização do dirigismo contratual, promovendo-se, em contrapartida, a liberdade econômica e a harmonização dos diversos interesses merecedores de tutela na legalidade constitucional” (TEPEDINO, Gustavo. Autonomia privada e cláusulas limitativas de responsabilidade. Editorial. Revista Brasileira de Direito Civil. Belo Horizonte, v. 23, jan.-mar./2020, p. 12-13).

[112] “A intervenção do Estado nas relações econômicas privadas, que caracteriza profundamente o Estado social, tem sob foco principal o contrato como instrumento jurídico por excelência da circulação dos valores e titularidades econômicos, e precisamente da proteção dos figurantes mais fracos ou vulneráveis” (LÔBO, Paulo. Contratante vulnerável e autonomia privada, cit., p. 159-160).

[113] A título meramente ilustrativo de outros possíveis índices relevantes, pense-se no paradigma da essencialidade – a pugnar pela diferenciação dos contratos conforme a natureza essencial, útil ou supérflua do bem contratado (como sustenta NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato, cit., p. 203-204) – e no princípio da função social do contrato – a sinalizar para a necessidade de consideração de interesses socialmente relevantes (ao propósito, v., por todos, KONDER, Carlos Nelson. Para além da “principialização” da função social do contrato. Revista Brasileira de Direito Civil. Belo Horizonte: Fórum, jul.-set. 2017, p. 55 e ss.).

[114] Tal receio é destacado, entre outros, por SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 65.

[115] “Efetivamente, em muitas oportunidades, a liberdade de contratar é apenas teórica. Nas relações entre o empregador e o empregado, este, em regra, terá de optar entre a dura lei do patrão e o desemprego, com todas as suas consequências. Na locação de prédio, quando haja crise de habitações, o inquilino cederá às exigências do proprietário, ainda que desproporcionadas. Na aquisição de gêneros alimentícios e utilidades em geral, o comerciante imporá o preço sempre que houver falta no mercado. No mútuo, o mutuário, de ordinário, deixar-se-á explorar, premido por invencíveis dificuldades do momento. Nos contratos com poderosas organizações de transporte e fornecimento de luz, água, gás, telefone, a clientela dispersa não terá meios de se resguardar de condições porventura demasiado rigorosas. Em todos estes casos, como em muitos outros, a liberdade será de um só dos contratantes e facilmente se transformará em tirania” (BESSONE, Darcy. Do contrato, cit., p. 42).

[116] Em semelhante linha de sentido, a esclarecer que diante da efetiva e concreta simetria negocial não se justifica uma intervenção corretiva, v. LÔBO, Paulo. Contratante vulnerável e autonomia privada, cit., p. 162.

[117] Em semelhante linha de sentido, a sustentar que, via de regra, o foco da atenção deve estar na liberdade contratual efetiva/material (e não na justiça contratual procedimental/formal), veja-se a lição de Claus-Wilhelm Canaris: “Por outro lado, também é de grande significado o fato de que existe uma específica (ainda que insolúvel) conexão entre justiça contratual formal, i.e., procedimental, e liberdade contratual material. Isso porque somente se as decisões das partes contratantes forem livres não apenas em sentido jurídico, mas também em sentido de fato, a máxima volenti non fit iniuria pode desenvolver todo o seu poder de persuasão. Uma ‘materialização’ da liberdade contratual no sentido de uma melhoria da factual liberdade de escolha, portanto, geralmente serve ao mesmo tempo à justiça contratual formal, i.e., procedimental, e produz adicionalmente, com isso, dignidade” (CANARIS, Claus-Wilhelm. Wandlungen des Schuldvertragsrechts, cit., p. 286-287. Tradução livre do original). O autor prossegue: “Diversamente, uma ‘materialização’ da justiça contratual é muito mais delicada, pois está sujeita, de antemão, à dupla ponderação de que ela é sobrecarregada por uma grande incerteza de conteúdo e, além disso, pode facilmente entrar em conflito com o ethos de liberdade da sociedade pluralista e ‘aberta’” (Ibid., p. 287. Tradução livre do original). E arremata: “Além do mais, não deve ser exagerada a oposição entre justiça contratual formal e material” (Ibid., p. 287. Tradução livre do original).

[118] Advirta-se, por oportuno: tal intervenção corretiva pautada no imperativo de tutela das vulnerabilidades parece ter lugar, no mais das vezes, na fase originária da relação contratual. Não se vislumbra, todavia, ao menos em tese, óbice à implementação de uma tal intervenção corretiva no decorrer da execução contratual, embora se deva reconhecer que a generalidade das soluções dispensadas hodiernamente às vicissitudes supervenientes é passível de recondução à disciplina do equilíbrio contratual propriamente dito (sem vinculação direta à chave conceitual da vulnerabilidade).

[119] NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato, cit., p. 157.

[120] Trata-se, em realidade, de mera especificação da premissa metodológica atinente à incidência direta das normas constitucionais sobre as relações privadas. Ao propósito dessa premissa da metodologia civil-constitucional, v., por todos, BODIN DE MORAES, Maria Celina. A caminho de um direito civil-constitucional. In: Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, itens 3 e 4.

[121] O caráter instrumental do princípio tal como usualmente enunciado encontra-se refletido nas formulações teóricas que conceituam o próprio conteúdo do equilíbrio contratual a partir da exigência de ponderação (ou balanceamento) entre variados princípios constitucionais, como se vê na seguinte lição: “Tradicionalmente, sempre se entendeu que o equilíbrio contratual era aquele combinado entre as partes. Analisava-se a justiça do contrato sob aspecto meramente procedimental: bastava que a avença fosse fruto de consenso livre, suficientemente ponderado e adequadamente informado, para ser considerada justa. Nos dias atuais, todavia, passa-se a questionar referida concepção, exsurgindo entendimento segundo o qual a concreta aferição do equilíbrio requer o balanceamento entre dois princípios constitucionais igualmente relevantes: a livre-iniciativa, fundamento constitucional da autonomia contratual, e a solidariedade social” (TERRA, Aline de Miranda Valverde; KONDER, Carlos Nelson; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Boa-fé, função social e equilíbrio contratual, cit., p. 15-16).

[122] A elucidar a noção de postulado normativo, em geral, e a qualificação da função social do contrato como postulado normativo, em particular, v., respectivamente, ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: 2004, p. 87-90; e KONDER, Carlos Nelson. Para além da “principialização” da função social do contrato, cit., item 6.

[123] A advertência refletida na formulação “atinentes às partes” pretende ressaltar a diversidade (em caráter de complementariedade, e não de exclusão) entre a orientação sinalizada pela função social do contrato e pelo equilíbrio contratual (na sua feição de postulado normativo). Em síntese essencial, pode-se dizer que a função social reclama a consideração de valores socialmente relevantes, ao passo que o postulado normativo do equilíbrio contratual reclama a consideração de valores preocupados com a situação concreta de cada uma das próprias partes.

[124] A partir de semelhante ordem de preocupação, afirma-se “Ao se colher a vontade estabelecida pelo conjunto das cláusulas contratuais, tem-se delineada a correspectividade de sacrifícios entre os contratantes, a definir, a um só tempo, a função ou causa do negócio – permitindo como tal qualificá-lo – e a equação econômica a ser perseguida e preservada. (…) Percebe-se, assim, a relevância do princípio do equilíbrio das prestações para a garantia da comutatividade, que se associa à função contratual e cuja preservação, por isso mesmo, torna-se imperativo da boa-fé objetiva. (…) Tal perspectiva permite conciliar a segurança jurídica com a justiça contratual, de tal modo que a autonomia privada seja efetivamente respeitada, como manifestação contratual exteriorizada e compreendida em seu todo, tendo em mira o escopo contratual, associado à preservação do equilíbrio econômico entre as prestações” (TEPEDINO, Gustavo. O papel da hermenêutica contratual na manutenção do equilíbrio econômico dos contratos. Soluções práticas de direito. Volume II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 461-462).

[125] O desenvolvimento inicial do raciocínio ora propugnado encontra-se refletido em SILVA, Rodrigo da Guia. A revisão do contrato como remédio possível para o inadimplemento. Revista dos Tribunais, vol. 995, set./2018, passim.

[126] Pertinente, no ponto, a síntese de Stefano Rodotà sobre o fenômeno da heterointegração dos contratos: “De fato, com a heterointegração (…) se alude a formas de intervenção sobre o contrato que vão além do amplo desenvolvimento da lógica da declaração e que, portanto, se acrescentam à atividade das partes na construção do definitivo regulamento contratual” (RODOTÀ, Stefano. Le fonti di integrazione del contratto. Milano: Giuffrè, 1969, p. 9. Tradução livre do original). Para o desenvolvimento da análise acerca da complexidade obrigacional, com particular destaque para o fenômeno da heterointegração dos contratos pelos deveres laterais de conduta decorrentes da boa-fé objetiva, seja consentido remeter a SILVA, Rodrigo da Guia. Em busca do conceito contemporâneo de (in)adimplemento contratual: análise funcional à luz da boa-fé objetiva. Revista da AGU, vol. 16, n. 2, abr.-jun./2017, passim e, em especial, item 2.

[127] A advertência remonta à clássica lição de Louis Josserand, que formulou crítica enfática aos exageros do dirigismo contratual: “É tempo para que o direito, situado entre o polo moral e aquele econômico, impulsionado ora em direção a um, ora em direção ao outro, chegue a um ponto de estabilização. Não se estará longe disso se for novamente posto em honra o dogma da palavra dada. É nessa direção que convém orientar o dirigismo contratual: socialização do contrato, sim; anarquia contratual, não” (JOSSERAND, Louis. Considerazioni sul contratto “regolato”, cit., p. 21. Tradução livre do original). Em sentido semelhante, v., do mesmo autor, JOSSERAND, Louis. La “publicisation” du contrat. In: Introduction a l’étude du droit comparé: recueil d’etudes en l’honneur d’Edouard Lambert. Cinquième Partie: Le droit comparé comme science sociale. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1938. Reimpressão, Introduction a l’étude du droit comparé: recueil d’etudes en l’honneur d’Edouard Lambert. Tome III.Glaushütten im Taunus: Detlev Auvermann, 1973, p. 158.